por Rosemeire Zago
Muitos adultos, vítimas de maus-tratos, podem estar repetindo padrões da infância. Encontramos muitas vezes pessoas com padrões de comportamentos dos quais não conseguimos compreender, entre eles a agressividade ou seu oposto, pessoas que necessitam agradar em excesso. Esses comportamentos, como outros, podem ser resultado da violência na infância e da dor e da mágoa não resolvidas. Essa criança impotente e ferida pode ainda se transformar no adulto agressor.
Muitas formas de maus-tratos contra crianças podem fazer dela um adulto agressivo, especialmente nos casos de maus-tratos físicos, de abuso sexual e de severo castigo emocional.
Qualquer fato parecido com as cenas de violência da infância pode fazer detonar os antigos sentimentos de medo e impotência vivenciados no passado. Um exemplo muito comum é quando a criança vê um pai, alcoólatra e violento, maltratar a mãe, verbal e fisicamente e, por vezes, ela também é vítima de suas agressões. A cena se repete durante toda sua infância. O medo toma conta sempre que se aproximava o horário do pai chegar.
Qualquer violência contra uma pessoa da família apavora, pois a testemunha da violência também é uma vítima da violência. O que essa criança precisava na infância era expressar seu medo, descarregar sua tristeza, alguém que suportasse com ela suas dores, mas como ela não tinha com quem expressar seu sofrimento, ela reprimia todo seu sentimento. Quando adulta ela irá procurar homens e mulheres que façam o papel de pais amorosos com ela, levando-a depender emocionalmente de muitas pessoas.
A tendência natural será a de ter vários relacionamentos violentos e destrutivos e casar com um homem também alcoólatra, o qual a fará reviver constantemente tudo aquilo que queria esquecer. A energia emocional do passado, represada, reprimida, passa ser expressa da única forma possível: repetindo as cenas da infância. Esta mulher adulta repete o padrão da infância, assim como seu pai, que também foi vítima de maus-tratos.
Medo e receio do abandono levam à repetição de padrões
A repetição interna consiste em repetir as violências do passado. Quantas pessoas que foram vítimas de abuso sexual na infância pelo pai, irmão, tio, não se sujeitam a manter relações sexuais que não desejam, mas que não conseguem impor limites, como se sentissem o mesmo medo do passado? Outros recusam terminar relacionamentos destrutivos, temendo o abandono que sentiram na infância.
O perigo da superproteção
É importante lembrar que nem sempre alguns comportamentos são resultados de maus-tratos, pois em alguns casos, crianças que foram mimadas, superprotegidas, crescem acreditando que merecem um tratamento especial de todos e que não podem errar, do contrário não serão aceitas. Assim, aprendem a se considerar superiores, perdendo a noção de respeito, responsabilidade, acreditando que seus problemas são sempre culpa de outras pessoas, não assumindo nunca seus próprios comportamentos.
A violência sexual, física e emocional é tão apavorante para a criança, que ela não consegue manter a própria identidade e passa a focar apenas o exterior e com o tempo ela perde a capacidade de gerar auto-estima que vem do seu interior, não sabendo identificar quem ela é, sem noção do seu próprio eu.
A maior mágoa que uma criança pode sofrer é a rejeição do eu autêntico, pois em seu pensamento acredita estar sendo punida por ser quem ela é, aprendendo que não é certo ser ela mesma. Não era certo querer o que queria, pensar o que pensava, falar o que falava, ver o que via, ouvir o que ouvia, enfim, não era certo ser ela mesma.
A criança agredida acredita que é a única responsável pelo abuso de que é vítima. "Ele me bate porque sou má". Desenvolve assim um falso eu e transforma-se naquilo que pensa que é, pois acredita que o carinho e atenção não recebidos seja por ser indigna de receber amor.
Enquanto criança, quanto mais agredida, mais aumenta a necessidade de receber amor e geralmente do próprio agressor. Essa necessidade se mantém quando adulto em forma de carência excessiva e dependência, podendo se transformar em agressividade como se estivesse sempre se defendendo de seu passado.
Pesquisas apontam que pais que cometem abusos, em sua maioria, foram vítimas de abusos na infância. Isto é um assunto muito sério e que infelizmente não há informação amplamente divulgada nos meios de comunicação; de que é preciso e possível tratar dessas pessoas que cometem tais abusos, pois acabam por gerar cada vez mais violência, famílias disfuncionais e muitos conflitos internos.
Para entender todo esse processo, é preciso aceitar que essa criança ferida e abandonada ainda existe dentro de você e que ela está esperando apenas seu reconhecimento.