Por Roberto Goldkorn
Uma cliente minha se lamentava da vida miserável que estava tendo com o seu marido. Reclamava e inventariava todos os tormentos que era viver ao lado daquele homem por vinte anos. Tentei ao máximo não fazer a clássica pergunta, pois a minha experiência me aconselhava a não fazê-la. Mas numa certa altura como ela insinuasse insistentemente que eu deveria apresentar uma solução “mágica” para o seu “caso”, tive de me render e fazer a fatídica pergunta: “Por que você não se separa dele?” Imediatamente sem nem ao mesmo tomar fôlego, ela disparou: “Há alguns anos fui num centro espírita, e eles me disseram, que eu tenho uma missão com o meu marido. E dessa missão não posso fugir”. Eu sabia. Já havia ouvido essa frase dezenas de vezes, modificada aqui e ali, mas sempre a mesma canção: “eu tenho uma missão com ele, por isso não posso cair fora”.
No início eu ainda me animava em contestar essa história, mas com o tempo fui entendendo o que esse jogo representava, e percebi que eu nunca o venceria, por essa razão evitava a tal pergunta, para evitar a resposta beco-sem-saída. Mas por alguma razão misteriosa me senti encorajado a novamente investir contra os moinhos com aquela mulher. Expliquei-lhe que a doutrina espírita é por natureza consoladora, e por isso desenvolve mecanismos que de forma simplificada agem como aspirinas tentando retirar os sintomas, aliviando a dor da pessoa mas sem obrigá-la a grandes movimentações.
Tentei explicar-lhe, que não existia ninguém lá no plano espiritual com uma prancheta nas mãos designando missões para as almas que se preparavam para saltar de pára-quedas no plano físico. E que se por acaso existissem essas “Almas gerentes” não teriam mais autoridade sobre nós que qualquer outra alma gerente aqui da terra. Essa era uma ideia muito materialista, era na verdade uma transposição de modelos sociais para o plano espiritual. Mas não nego que uma pessoa possa se achar em missão em relação a outrem ou a alguma causa.
Missão autodestinada
A ideia de que o sofrimento é bom para o nosso crescimento espiritual, que no fim das contas é libertador, é um grave, terrível engano. Isso nada mais é do que um legado das grandes religiões que assumiram como inarredável o sofrimento humano, não percebendo que ele é fruto principalmente de um estágio de desenvolvimento, e da ignorância própria desse estado.
Tentei explicar a ela que o seu sofrimento só seria uma missão se lhe propiciasse um ganho, ou a ele. E qual seria esse ganho? A maturidade, a sabedoria, e acima de tudo a liberdade. Mas o seu sofrimento suportado com relutância, gerando mais mágoas, mais ressentimento, e por que não dizer mais ódio, só iria prendê-los mais ainda um ao outro.
Essa “missão” ao invés de libertá-la (o) vai ao contrário enredá-los ainda mais na cadeia do Sansara, da teia de aranha kármica, e certamente vai trazê-los de volta, algemados um ao outro, para que encenem novamente essa tragicomédia, over and over again, até que um deles se toque, desperte e diga: Ah então é assim!? Não brinco mais!”.
Concordo que o sofrimento possa ser libertador, mas só se vier acompanhado de Consciência. É preciso entender profundamente a razão e a finalidade daquele sofrimento e aceitá-lo como se aceita tomar um purgante. Como a minha amiga vai transmutar essa situação se ela se vê acorrentada por uma missão da qual está alienada? Como ela vai libertar a si e ao marido dessa relação corrosiva se ela é instada a aceitar uma “missão” que alguém em algum ponto misterioso do universo decretou? Como ela vai poder amar o seu marido, se a sensação de estar condenada a ele, é constante?
A relação problemática é encadeadora de karma, e de mau karma. Nesses casos o comodismo da “missão” deve ser abandonado, pois além de tudo é uma atitude anti amor- suportar alguém, mas maldizendo cada segundo que passa ao lado desse alguém, é um ato de escabroso desamor. Reconheço que não é fácil cair na real, e assumir as próprias fraquezas sem recorrer a expedientes falsamente espirituais.
Para terminar pedi a minha cliente que se imaginasse repetindo a dose do mesmo marido mais uma vez, talvez até de forma mais sofrida, pois haveria mais acumulação de sentimentos negativos. As ofensas ditas ou só pensadas, os desejos de matar I, 2, 3 etc, voltariam junto no “pacote”, e as suas (dos dois) chances de serem felizes iria pro saco.
A liberdade não cai do céu, a felicidade não é compulsória, a possibilidade do Amor deve ser conquistada, para isso é preciso coragem. As fórmulas consoladoras podem até ser úteis por um momento, mas não são resoluções de vida. Sem coragem para tomar decisões difíceis, vão sobrar os prêmios de consolação: férias no deserto de amor ou uma viagem as cavernas da negra solidão. Como a minha cliente, nós, você e eu, merecemos por direito divino mais que isso, nós merecemos o Amor, simples, risonho, livre e moleque, por que foi fruto da liberdade conquistada com coragem, respeito e amor a si mesmo.