por Patricia Gebrim
A aula de yoga tinha começado há alguns minutos. Eu já tinha feito os exercícios de respiração e agora estava há séculos, ou melhor, há milênios, parada em uma posição estranha, a perna desconfortavelmente suspensa no ar, tremendo como uma vara verde enquanto, corajosamente, tentava relaxar e colocar a palma da mão no chão, como se isso fosse possível! Na verdade, sei que é, embora eu ainda não tenha esta capacidade.
No meio daquela eternidade, fui percebendo muitas coisas, coisas que aprendemos muito melhor quando são contadas por nosso próprio corpo. Fui aprendendo a compreender que minhas mãos mal chegam à altura dos joelhos, e que tocar o chão estava muito além do que era possível naquele momento. Fui percebendo a importância da gentileza que precisamos ter conosco em momentos assim, fui aprendendo a reconhecer meus limites, aprendendo que naquele momento eu não podia negá-los ou vencê-los.
Precisava aceitá-los, era a minha única chance de não morrer de cãimbra ou ser expulsa da escola por ter dito palavrões ou gritado de dor como uma alucinada!
Ah, como é difícil a gente se dar conta de que o mundo não é exatamente como gostaríamos que fosse… No meu mundo perfeito eu seria capaz de tocar graciosamente com a testa no joelho com um sorriso pacífico nos lábios… nada parecido com a lata enferrujada e desgovernada que eu me sentia naquele momento!
Ah, quanto tempo e energia desperdiçamos tentando manter em pé castelos feitos de areia, tentando fazer esculturas de água, bolinhas de vento, tentando moldar o mundo às exigências de nosso ego pequeno e teimoso que acredita que pode fazer o que bem entender. Quanto tempo e energia gastamos tentando prever o futuro, impedir que coisas aconteçam, ou ainda tentando fazer com que outras coisas aconteçam, de forma a nunca sofrermos um arranhão sequer.
Quanto tempo perdemos evitando o sofrimento, negando a realidade, fugindo da verdade que tememos ver, como se ao fechar nossos olhos pudéssemos fazer desaparecer o que nos atormenta. Quanto tempo e energia gastamos tentando inventar uma realidade, sem lidar com o que está ao nosso redor, como se assim pudéssemos evitar a dor.
Quanto sofrimento vivemos ao tentar controlar o incontrolável, ao tentar ser perfeitos neste mundo onde tudo tem ao menos uma aresta, uma borda, um risco na superfície lisa que reflete nossa própria imagem.
Quanto tempo perdemos lutando com a nossa imagem no espelho…
Se parássemos de fazer tanto esforço em negar a realidade, se estendêssemos a mão ao mundo como o mundo é, se o abraçássemos como abraçamos um amigo que é querido mesmo com suas imperfeições… o mundo nos abraçaria de volta, eu sei.
Se parássemos de lutar, por um instante sequer, se parássemos de nos lamentar pelas coisas que não saíram como queríamos, se parássemos de sentir pena de nós mesmos, se aceitássemos que faz parte da vida sentir na pele uma ou outra frustração… ficaríamos em paz. E essa paz se estenderia ao nosso redor como uma imensa tela em branco onde poderíamos pintar o mais belo quadro.
A vida não vai mudar ao nosso redor porque assim “exigimos” que o seja, como faz uma criança teimosa e birrenta… mas… talvez… se formos capazes de amar a vida mesmo com suas imperfeições, ela aos poucos se derreta em nossos braços, permitindo que uma forma mais harmoniosa de viver surja quase sem esforço algum…
Não podemos controlar a vida, essa é a verdade. Mas podemos nos dispor a fazer o melhor com o que quer que venha dela. Podemos mudar o que é possível, aquilo a que temos acesso, sem negar ou distorcer a realidade. Podemos dar um passinho de cada vez, isso podemos. Podemos nos tornar um pouco mais conscientes, um pouco mais atenciosos, um pouco mais amorosos… um pouco já basta… um pouco por vez, com persistência, se torna muito.
Um pouco mais de fé, um pouco mais de presença, um pouco mais de verdade.
A vida tudo nos dá quando lhe ofertamos esse pouco… ela se enternece e vai cedendo aos poucos também, como em uma dança. Mas se quisermos forçá-la…se quisermos impor-lhe nosso ritmo, se a aviltarmos com nossas exigências infantis, a vida passará direta e exigente por nós, acreditem.
Eu expirei nesse momento e, permitindo que todo o ar saísse de meus pulmões, que todas as verdades pré-concebidas me abandonassem, vazia de tudo… consegui descer um pouco mais minhas mãos, meio centímetro talvez! Fiquei feliz… estou meio centímetro mais perto do chão. Um dia eu chego lá!