por Angelina Garcia
Mal começara novembro e Amanda já estava preocupada com a festa de final de ano. Gostava, sim, de ver a família reunida, das brincadeiras na entrega do amigo secreto, de rever as primas que vinham de longe com alguns dos filhos já crescidos; da carinha feliz da meninada ao abrir os presentes, de todos ali em volta da sua mesa.
Conhecia de cor e salteado esse ritual, pois desde que casara, há vários anos, ele acontecia em sua casa. Foi idéia de uma das primas, que se encarregou de passá-la adiante, alegando que a casa era nova e maior que as do resto da família. Então vamos estreá-la, dizia. Empolgada com a novidade, Amanda esmerou-se o quanto pode para deixar todos satisfeitos. Gostaram tanto que nunca mais pensaram em mudar de local. Como não tinham o hábito da ceia, o almoço era a festa de Natal.
Os que trazem a cerveja vão sobrepondo coisas para cavarem grandes espaços na geladeira. Claro que depois não se encontra coisa alguma. A que traz o prato exótico entende-o como suficiente para a sua participação. Então só vai tirar o corpo do sofá quando a mesa estiver posta. Pior é a aquela que sequer contribui picando o tomate para o vinagrete, encosta-se na porta da cozinha e debulha os infortúnios do ano, os dela, da família, dos vizinhos, do país. É de parar o fôlego.
O mais tímido, depois do quinto copo de cerveja, já está fazendo gracinha para a cunhada na frente da mulher; enquanto o irmão, metido a sincero, resolve dizer tudo o que pensa sobre aquela uma, e olha que não são coisas muito agradáveis. Então choram, desculpam-se, abraçam-se.
Tem ainda o do discurso e o da piada. O primeiro pede um momentinho assim que todos se sentam. Enquanto discorre sobre a importância da família ainda vai, mas quando passa a falar de cada um, aí é demais. Melhor avançar na comida. Hora propícia para outro começar. Descarrega as piadas de todos os anos e traz algumas novas que recebeu na Internet. Seu alvo favorito são os políticos. Para ele, estes são os únicos responsáveis pelos problemas acumulados desde que o mundo é mundo. Segue assim até o final do almoço.
A moçada é a primeira a sair da mesa, de fininho, porque está cheia de compromissos. Atrás vai a mãe do bebê de meses dizendo que é hora de lhe dar um banho e por lá fica. As outras mulheres continuam sentadas para terminar uma conversa, enquanto empilham os pratos para que Amanda os carregue para a cozinha. Os homens vão tirar uma soneca para, refeitos, arrematarem o dia com uma pelada esperta no campinho improvisado.
Amanda vê a pia empanturrada de louça, panelas e travessas e sabe que só poderá contar de fato com dona Albina, sua mãe, e talvez com a prima boazinha, com quem pode até, em meio à algazarra, trocar experiências de mulher casada, de mãe. Nem pediria qualquer ajuda aos outros. São visitas.
Ela sorri e acha que vale a pena, afinal é uma vez no ano. Sabe que é uma escolha, pois se qualquer ano destes quiser pular fora do barco em outras praias, ou até mesmo aproveitar a sugestão da data para se recolher em meditação, todos hão de entender e, com certeza, não ficarão sem festa.