por Pedro Tornaghi
Em frente ao ashram (uma espécie de templo) do Osho em Puna havia uma mansão abandonada, herança do império britânico, ocupada e dividida por famílias carentes. Na cocheira vivia dentre inúmeros moradores um franzino rapaz chamado Nanu. Provavelmente todos os que frequentaram Puna nos anos em que o Osho lá esteve o conheceram ou tiveram alguma relação com ele.
Menino pobre, comunicativo e sempre sorridente, Nanu um dia percebeu que muitos dos discípulos estrangeiros do Osho – no início aparentando serem ex-hippies em sua maioria – fumavam cigarros e tinham dificuldades em comprá-los.
Para se comprar um maço de cigarros ocidental nessa época, era preciso deslocar-se pelo menos quatro quilômetros da atmosfera de paz profunda, aprazível e acolhedora do ashram, enfrentar um trânsito caótico e embrenhar-se por ruas barulhentas, poeirentas e superpopulosas do centro da cidade. Indianos não fumavam cigarros estrangeiros, logo, esses eram vendidos em raros locais.
Nessa ocasião, alguns "sanyasins" ocidentais tiveram a ideia de pedir a Nanu, sempre muito disponível, que buscasse os cigarros no mercado. As gorjetas eram verdadeiras fortunas para um menino pobre da Índia, alguns lhe davam vinte centavos de dólar, outros até um dólar. Em um país onde ser professor era considerado um ótimo trabalho e, depois de estudar por muitos anos, o que recebiam pelo ofício girava entre 40 a 60 dólares, Nanu rapidamente se viu equiparado a eles em estilo de vida. E não demorou a ultrapassá-los.
Mas por que não esticar a mão e se beneficiar de ambas as riquezas?
Também não foi necessário muito tempo para que o esperto Nanu percebesse que podia adquirir e estocar cigarros antes mesmo de haver encomenda e montasse sua "banquinha" em frente ao ashram. A cada dia chegavam mais e mais discípulos estrangeiros, encantados com a obra do Osho e não faltariam fregueses e nem demoraria para que a mercadoria fosse passada adiante. Em pouco tempo porém, Nanu percebeu que sua maior mina de ouro não estava nos cigarros. Não havia casas de câmbio no bairro do ashram e aqueles estrangeiros, para alimentar seu vício, lazer, ou mesmo se alimentarem, precisavam trocar dinheiro em moeda local.
Fazia-se necessário sair do ashram para isso também. Alguns pediam a Nanu que aceitasse o pagamento pelos cigarros em moeda estrangeira, outros pediam o troco em moeda local para ficar com algum dinheiro indiano no bolso, outros, começaram mesmo a pedir que Nanu quando fosse ao centro, trocasse dólares para eles. No inicio Nanu recebeu comissões de doleiros, mas assim que pôde, e não demorou muito, passou a ter reserva financeira o suficiente para trocar diretamente o dinheiro.
O menino cresceu, em idade e em posses. A convivência diária e íntima com os sanyasins (de modo geral uma pessoa que abandona o interesse pelos bens materiais) estrangeiros o levou a conhecer seus hábitos e gostos e ele foi ampliando sua oferta de serviços. Abriu uma loja de cristais para jovens esotéricos, mais tarde outra de roupas com o gosto daquele público tão específico; adquiriu uma lanchonete de estilo ocidental e acabou, depois de poucos anos, dono de loja de departamentos. Sem abandonar sua galinha dos ovos de ouro, o câmbio. Hoje ele pode ser considerado uma das maiores fortunas de Puna.
Fiquei, como muitos sanyasins, amigo do boa praça Nanu, ele me convidou a entrar em sua casa no dia em que comprou sua primeira televisão, precisava mostrar, orgulhoso e fascinado, a tela de quarenta polegadas de seu tubo. Naquela tarde, perguntei a ele se nunca sentira vontade de entrar no ashram para meditar, ele que se dizia também discípulo do Osho. Ele me jurou ter feito isso no passado, mas nunca soube de alguém que o tivesse presenciado.
Sempre me impressionou como uma pessoa inteligente e sensível como Nanu, vivendo como vizinho de porta de um iluminado que inspirava a tantas pessoas – incluindo a mim – a venderem tudo o que tinham para passar uma temporada meditando com ele, conseguiu enxergar a possibilidade de alcançar a estrondosa riqueza material e não tenha se ocupado de se beneficiar de sua riqueza espiritual. Dinheiro tantos têm, em tantos lugares, mas o que acontecia ali naquele ashram naqueles dias era algo raro. E único. E se oferecia gratuito a ele.
Concordo com Nanu que a riqueza material é muito melhor do que a pobreza.
Mas por que não esticar a mão e se beneficiar de ambas as riquezas?
Talvez Nanu não pudesse enxergar outras riquezas. Mas talvez tenha sido vítima de uma armadilha da qual todos somos vítimas diariamente; uma armadilha que pode ser evitada, se entendermos a estrutura de nossas mentes.
Nossa mente funciona de maneira semelhante a nossos olhos. Nossa visão opera com foco. Quando focamos os olhos em um objeto perto, desfocamos o que esteja mais distante. E, em seguida, torna-se fácil e comum esquecermos da existência do que não está em nosso ângulo de visão. Do mesmo modo, quando a mente dá atenção a um assunto de profundidade rasa e próxima, deixa de perceber e esquece com facilidade a existência do que esteja em maiores e mais distantes profundezas.
Alguns dos sanysins que naqueles dias se dedicavam à meditação, quando voltaram a seus países de origem se envolveram com os afazeres de sobrevivência ou de sucesso profissional e, com o tempo, deixaram de dar oportunidade à meditação. Ainda pensam que ela seja importante mas, na prática, não meditam. O que houve com eles? Dedicaram a atenção a assuntos mais rasos da mente e esqueceram as águas profundas que tantas vezes matara suas sedes existenciais, que em outros tempos os renovaram e deram sentido de vida, que em outras estações foram prioridade única de suas vidas.
O que os fez esquecer?
A que se deveu o desvio de um caminho que só lhes trouxe felicidade?
Não terá sido exatamente esse "modus operandi" da mente? E se tiver sido, haverá como mergulhar em afazeres mais próximos, cotidianos e muitas vezes necessários sem esquecer de sua natureza mais profunda? Não temos como controlar a mente ou mudar sua natureza, então o que fazer?
A resposta pode estar nessa semelhança e proximidade entre o funcionamento dos olhos e da mente. Os olhos são na realidade parte do cérebro. O nervo óptico é um feixe de neurônios. Os olhos podem ser vistos como uma parte exposta da mente. Uma parte com a qual podemos facilmente interagir e interferir em seu comportamento. Dessa maneira, ensinando certas coisas ao olho, estaremos ensinando também à mente. Particularmente quanto ao foco. Treinando o olho para transferir o foco do próximo para o distante, podemos também treinar a atenção para passar das regiões rasas para as profundas dentro de nós. Com certos exercícios em que nos lembramos do distante enquanto olhamos para algo perto, podemos treinar a atenção para se lembrar do que nos é essencial enquanto cuida de assuntos circunstanciais. Certas técnicas que se utilizam do foco do olhar para nos levar a estados meditativos nos permitem – e estimulam a – desenvolver essa arte.
É sim um ovo de Colombo. Podemos criar um fluxo entre o raso e o profundo e nos entregarmos a esse fluxo; e passarmos a viver em contato com os assuntos e ocupações mais superficiais, sentindo sempre a presença do profundo. A mente no princípio será contra o fluxo. Tentará sabotá-lo. E o conseguirá muitas vezes. Mas, se você volta à meditação que trabalha o fluxo da mudança do olhar outra e outra vez e, aos poucos, a mente já não consegue fazê-lo esquecer totalmente de sua natureza, não consegue mais tampar com seu véu a realidade interna, a sua face espiritual.
A mente não imagina deixar de dominá-lo e sabe que esse fluxo será libertador para você. Ela irá criar muros de pedra que impeçam o fluxo, mas você deixará sua água jorrar de dentro e encontrar brechas nesses muros, ou transbordá-los. A mente sabe que só há uma chance de dominá-lo, e essa será se você não estiver fluindo. Mas, se você restabelecer o fluxo de novo e de novo com novas meditações, sua energia será tal, que uma inundação levará todas as pedras da mente e pensamentos para o oceano. Ela não conseguirá ficar no caminho. E, novos caminhos, novas avenidas, novos universos se abrirão para você.
As meditações da visão possibilitam esse fluxo. E não será preciso estar pronto de nenhuma maneira especial para experimentá-lo. Pelo contrário. Se houver algum preparo anterior, talvez o melhor seja descartá-lo. As imagens antes criadas sobre o que é meditação ou sobre quem seja você… descarte tudo. Para estabelecer esse fluxo através da meditação só é necessário estar disponível. Com olhos sensíveis e receptivos. Com entrega, empenho e dedicação.
E, quando isso acontecer, nada o impedirá se você escolher ser rico ao mesmo tempo material e espiritualmente.