por Gilberto Coutinho
Os antigos e preciosos ensinamentos de Yama e Niyama para o mundo contemporâneo – Códigos de Ética do Yoga
“A princípio, pode não ser muito fácil torna-ser um yogue, mas é muito bom praticar o Yoga e, sobretudo, ser um yogue.”
Os Yama e Niyama constituem o chamado “Código de Ética Yogue” e as bases para o sólido desenvolvimento do praticante. Embora codificados cerca de 1800 anos atrás, ou mais, pelo grande sábio Patanjali, no Yoga Sutra (Aforismos do Yoga) – um dos mais importantes tratados clássicos dessa ciência –, tais aforismos são considerados muito pertinentes e constituem uma enorme preciosidade de ensinamentos e reflexões filosóficas para o mundo contemporâneo.
De grande importância para a humanidade, podem ser praticados por pessoas de todos os credos. O Yoga, sobretudo, destina-se ao “aperfeiçoamento” pessoal e, a partir disso, a sociedade também se transforma, torna-se mais sábia e se desenvolve. No dia-a-dia, sem a vivência desses princípios filosóficos, o praticante não pode ser considerado um yogue, e sim, apenas, um ginasta.
Yama (autocontrole)
São cinco disciplinas que conferem o autocontrole, devem ser adotadas e desenvolvidas.
1. Ahimsa (não violência)
“Quando se estabelece na não-violência, toda a hostilidade cessa em sua presença.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 35.
É o exercício de não cometer nenhum tipo de violência. A pessoa deve aprender a autocontrolar-se e a combater os seus próprios instintos agressivos e de violência; isso a auxiliará no desenvolvimento do controle mental. Deve promover a paz e a compreensão e não estimular, promover ou realizar qualquer tipo de violência, seja na forma de pensamentos, idéias, palavras e atitudes ofensivas, agressivas, desrespeitosas e ameaçadoras. Como pode alguém praticar a não-violência sem o exercício diário da observação de si mesmo, da tolerância e do bom senso? É a prática da abstenção de qualquer tipo de violência.
2. Satya (veracidade)
“Quando se estabelece na verdade, o fruto resulta imediato à ação.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 36.
É o exercício ou a prática da verdade; consiste em dizê-la sempre e não distorcer a realidade dos fatos; é ser sincero e autêntico. Existe algo de belo na veracidade. A verdade é mais admirável e desejável do que a mentira. O yogue deve praticar no dia-a-dia o exercício da veracidade, da sinceridade e da autenticidade. Existe um pensamento indiano que diz: “Nada pode afetar a realidade. O irreal não existe.”
3. Aparigraha (não à possessividade)
“Quando se estabelece na não possessividade, adquire-se o conhecimento do porquê do seu nascimento.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 39.
Consiste no combate do próprio sentimento de apego, de posse e da ambição (cobiça) desmedida da aquisição de riquezas e bens materiais. A ambição desenfreada traz sofrimento, não apenas ao homem, mas a todo universo. O que adianta adquirir riquezas e bens materiais à custa de tanto sofrimento? Pode o apego nos conferir a liberdade? A busca da compreensão do “eu espiritual” deve ser uma prioridade da existência humana. Para o yogue sábio, a aquisição de riquezas materiais não é mais importante do que o conhecimento de si mesmo (do seu “eu espiritual”) e a busca pela sua “libertação”.
4. Asteya (não roubar)
“Quando se estabelece na honestidade, todas as preciosidades lhe são oferecidas.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 37.
É o exercício da abstinência da avareza e do roubo. Certa vez, Mahatma Gandhi pregou:
“Faça a sua própria roupa, plante o seu próprio alimento e faça a sua própria vida”.
Consiste na prática da honestidade e no combate à ambição desmedida e ao apego excessivo ao dinheiro e aos bens materiais. É a compreensão do “não roubar”, ou seja, do não se apropriar indevidamente de bens alheios, e a tomada de atitude perante essa compreensão. Aparigraha e asteya encontram-se interligados.
5. Brahmacharya
(dedicação aos estudos “religiosos” e filosóficos, os quais proporcionam sabedoria, e uma vida espiritualizada)
“Quando se estabelece no controle saudável da sexualidade, adquire-se grande potência ou vitalidade.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 38.
Consiste também no exercício do controle dos prazeres sensoriais. Como alguém, cujo corpo e a mente sejam escravos do prazer e das paixões, pode alcançar a “libertação” e a verdadeira sabedoria? Além do controle físico, emocional e mental, o yogue deve também exercitar um controle saudável de sua sexualidade. Seu objetivo não é, necessariamente, ser casto como um monge, mas sim, ter o controle de sua energia sexual para aumentar o seu potencial espiritual, energético e psicofísico. No Yoga, a sexualidade assume uma postura tântrica.
Niyama (dever ou disciplina)
São cinco deveres, obrigações positivas e/ou disciplinas do yogue.
1. Saucha (pureza e/ou purificação)
“A pureza favorece o cuidado pelo seu próprio corpo e a atenção no contato com os outros.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 40.
Compreende o cultivo diário da pureza dos pensamentos, das emoções, das ações, das palavras e, sobretudo, de hábitos saudáveis de higiene com o corpo e alimentares. É o dever de manter-se puro, de não se deixar contaminar com as impurezas da vida (evitando-se toda influência corruptora). Numa analogia com a flor de lótus, que nasce num lago, muitas vezes, lodoso, desabrocha e mantém-se imaculada, pois suas folhas largas e verdes permanecem sobre as águas, o que impede as impurezas do fundo contagiarem suas pétalas; e o caule, onde nasce o botão, deixa-a afastada das águas e de uma possível contaminação. A prática correta e regular do Yoga, de seus Kriyas (técnicas de purificação orgânica) e da meditação (Dhyana) purifica a mente, o corpo e as emoções.
2. Santosha (contentamento)
“Do contentamento surge a superlativa felicidade.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 42.
O contentamento advém de uma consciência tranqüila, benevolente, justa, disciplinada, comedida, harmônica e do cumprimento das responsabilidades. Como pode alguém vivenciar o contentamento, tendo uma consciência intranqüila e pesarosa? Não sendo benevolente e justo consigo mesmo e para com os demais? Não tendo uma vida disciplinada, equilibrada e harmônica? Não cumprindo com as suas obrigações e responsabilidades? É uma dádiva praticar a generosidade. A prática regular do Yoga, da meditação (Dhyana) e de seus princípios filosóficos e terapêuticos propicia bem-estar, equilíbrio e contentamento.
3. Tapas (auto-esforço, autossuperação e/ou disciplina)
“A auto-superação, a disciplina produz a destruição das impurezas e, conseqüentemente, alcança-se a perfeição.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 43.
Sem uma profunda reflexão, pode-se pensar que a disciplina seja algo chato, impositiva de uma vida monótona e rotineira, e cerceadora. Mas, na verdade, não é bem assim. Ela é indispensável, para que uma pessoa possa se auto-superar, evoluir, alcançar as suas metas e ideais; conseqüentemente, a disciplina liberta. Os bons exemplos devem ser seguidos. Os maus, esquecidos. O Yoga e a meditação (dhyana) conferem uma disciplina efetiva para o corpo e a mente.
4. Swadhyaya (autoestudo, estudo de si mesmo e/ou autoconhecimento)
“O autoconhecimento conduz á união com todas as coisas do céu e da terra.” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 44.
Swadhyaya é um termo sânscrito composto de dois radicais: swa significa “seu”, “próprio”; e dhyaya, “estudo”. Assim, Swadhyaya significa o estudo de si mesmo, seu próprio estudo e/ou seu próprio conhecimento. Consiste no estudo de textos considerados “sagrados”, védicos e filosóficos, tais como o próprio “Yoga Sutra” de Patanjali, os “Upanishads” (textos de grande beleza filosófica e poética, escritos séculos atrás pelos antigos santos e sábios da Índia, documentados nas escrituras védicas, os quais são considerados a fonte do conhecimento), o “Shiva Samhita” (de autor desconhecido, considerado um dos três mais importantes tratados clássicos existentes sobre Hatha Yoga, em sânscrito, é entendido como sendo os ensinamentos de Shiva a sua esposa Parvati; descreve seus princípios e conceitos; nos cinco capítulos, são discutidos a essência para a sua prática, os métodos e os caminhos de se alcançarem os siddhis – poderes paranormais –, a compreensão filosófica da existência humana, a importância do Yoga, o espírito, a ilusão – maya –, o microcosmo, as funções do corpo, os princípios dos exercícios respiratórios – pranayamas –, as posições psicofísicas – asanas – , Kundalini e seu despertar, os vários ramos de Yoga, etc.), os Puranas (coleções semi-religiosas de hinos e escritos que discursam sobre cosmologia, teologia e, especialmente, de histórias de sábios e reis) etc., e no estudo da própria mente e do conhecimento do próprio corpo por meio da prática do Yoga e da meditação (dhyana). O estudo filosófico do Yoga e a sua prática regular, assim como a da meditação (dhyana), conferem-nos o autoconhecimento.
5. Ishwara pranidhana (autoentrega e/ou devoção)
“Pela auto-entrega (ao “eu espiritual”) se alcança o samadhi (a “iluminação” da consciência ou estado de hiperconsciência).” – Yoga Sutra – Capítulo II (Versos ou Caminho da Prática), aforismo 45.
Ishwara, em sânscrito, significa “senhor”, “o Ser divino”, “o absoluto” e/ou “o Criador”; e Pranidhana, “entrega”. Assim, “ishwara pranidhana” significa a auto-entrega ao seu “eu espiritual” e ao “criador”. Qual a real importância de se conhecer a existência do próprio “eu espiritual”? O termo “ishwara pranidhana” também pode ser compreendido como auto-entrega e/ou devoção aos ensinamentos de Shiva.