por Roberto Goldkorn
Tim Maia e seu demônio interno
Assisti recentemente ao filme da vida de Tim Maia. Desde o começo ele demonstrava uma inquietação, uma rebeldia que acabava tornando a sua própria vida trepidante.
A par disso, seu talento incrível veio para se tornar um valor mais elevado, ou pelo menos parecia.
A inquietação do início ia ficando cada vez mais inquieta e avassaladora, a par de um ego superaquecido ele fez tudo certo e tudo errado, deixou que seu "demônio" interno tomasse conta de tudo: das finanças aos amores, da saúde física às escolhas espirituais. Chegou uma hora em que a única coisa que lhe restava era o seu talento, e como a gente sabe, isso não basta para manter uma pessoa flutuando. As drogas, a guerra constante contra o sistema, o descontrole sobre a vida sentimental, agradavam ao "demônio" que era apenas um hóspede e nenhum compromisso tinha com o hospedeiro.
Força demoníaca
Na semana que passou, uma jovem dentista, bonita e bem nascida, "abnegada" defensora dos cães abandonados, foi presa porque traficava drogas e armas ambas pesadas, em seu próprio consultório. Ao ser presa não demonstrou nenhum arrependimento, ao contrário, ainda se mostrou bem-humorada. Seu "demônio" ainda a fortalece, sua juventude e a arrogância não a deixam perceber o tamanho do buraco em que se atirou.
Demônio interno cria falsa percepção dos acontecimentos
Uma cliente me enviou uma mensagem dizendo que foi diagnosticada com esquizofrenia e que estava morando com um rapaz, mas teve vários surtos e o perseguiu de tal maneira que ele a mandou embora. Agora ela quer a minha ajuda para… reconquistá-lo. Em nenhum momento pediu ajuda para se tratar. De alguma forma seu "demônio" a faz acreditar que o problema é o outro, assim ninguém o incomoda. Para quem tem o "demônio" o problema sempre está lá fora, sempre é o outro.
Na Idade Média os exorcistas faziam lavagem intestinal nos endemoniados, porque deduziam com certa lógica que o demônio gostava de excrementos, então se havia um sitio no corpo humano em que deviam estar confortavelmente alojados, seria o intestino! O mais interessante é que muitos "melhoravam" significativamente depois da operação. É que muitas vezes o tal demônio era uma infecção intestinal, ou uma prisão de ventre que como diz o nome, deixa o sujeito enfezado (em fezes).
O "demônio" não pode ser visto, não está no intestino ou em qualquer local, mas pode ser rastreado, pelos seus efeitos, pelo rastro de destruição e sujeira que deixa.
Assim para responder a pergunta:
Comportamento: a pessoa está com o "demônio"?
Devemos examinar suas pistas.
A primeira é: a vida do hospedeiro tem se deteriorado ao longo do tempo?
Ele ou ela tem sistematicamente tomado decisões erradas que resultam em perdas, isolamento, rompimentos e solidão?
Tem brigado e agredido as pessoas que o ou a amavam? Mesmo assim insiste em manter a "pose", falar grosso, e alardear para os incautos que está bem e nunca esteve melhor?
Usa e abusa do passado que é convenientemente editado para satisfazer ao teatro que encena para produzir uma realidade mais falsa que nota de três reais?
Está tangenciando ou já entrou na marginalidade, no crime?
Recusa sistematicamente, as cada vez mais raras, mãos estendidas, dizendo que está bem e que logo vai receber uma herança milionária ou que está para sair um cargo importante no governo?
Esses são alguns dos sintomas da ação nefasta do "demônio" que se apossa de certos infelizes e que, por uma identificação simbiótica, ali ficam confortavelmente acomodados até a destruição final de seu hospedeiro.
Como o "demônio" se apossa do ego
Em geral esses seres imateriais entram através de pequenas falhas na máquina cerebral e permanecem ali protegidos por um ego de pedra que ao invés de reagir contra o "demônio" instalado, se fortalece na batalha contra "os outros", recusa qualquer ajuda, elege um inimigo mortal a ser combatido, um amor impossível a ser conquistado e uma ficção de sucesso que só existe em sua fraturada cabeça.
O "demônio" não costuma gostar de quem abraça o Bem, de quem trabalha para o bem-comum, de quem ama de verdade, universalmente. Não se trata de ter ou não ter religião, isso para o "cujo" é irrelevante, mas sim uma espiritualidade que nos mantenha conectados com valores elevados: o altruísmo, a compaixão, a generosidade, a justiça, a verdade, a honestidade…
O papel maior do "demônio" é romper as pontes que nos unem as pessoas do bem, as que realmente nos amam, e que se deixam amar. Por isso precisamos manter essas pontes liberadas, alimentando nossos vínculos de amizades verdadeiras, cuidando das relações saudáveis, não deixando que a distância e o tempo encham as pontes de entulho.
O trabalho de semear amor e doação, de ter compaixão pela dor do outro ou regozijo pelo sucesso do outro é um antídoto contra esses seres abissais cuja existência eu duvido, mas que são tornados reais pela nossa flacidez moral e desamor.
Para terminar uma receita que aprendi com o grande Prof. Molinero que, se levada a sério, pode afastar esses seres nefastos de nossas vidas:
"Os demônios se alimentam do medo, os deuses da Oração."