por Roberto Goldkorn
Os antropólogos costumam usar o exemplo da Ilha de Páscoa para ilustrar a capacidade de imprevidência da humanidade, na sua relação com a natureza que a sustenta. Em resumo aconteceu o seguinte:
Numa pequena ilha situada em pleno oceano Pacífico se instalou uma civilização que prosperou rapidamente. Os ilhéus desenvolveram um culto religioso aos Moais, gigantescas estátuas de pedras que até hoje intrigam os turistas que lá chegam justamente em busca desse tour mágico misterioso. Mas essas estátuas só podiam ficar de pé com o uso de troncos de árvores, consumidas em grande escala e muito rapidamente, até não restar uma única árvore. Com o solo nu entregue ao açoite dos ventos, sem madeiramento para cobrir suas choupanas, os habitantes entraram em decadência até transformar a ilha num deserto inóspito, e avesso à vida. Quando os holandeses chegaram lá em 1722 (no dia de Páscoa) avistaram uma paisagem tão desolada que “confundiam suas colinas desertas com dunas.” (citado por Ronald Wright, em Uma Breve História do Progresso).
A pergunta é sempre a mesma: Como esses indivíduos puderam ser tão cegos e, não ver que seus recursos finitos, não sustentariam o crescimento descontrolado da população e o esgotamento desses recursos naturais?
Eles nunca se perguntaram “e depois?” Todos os sinais apontam para nós, como civilização, estarmos no mesmo caminho.
O que acontece com as civilizações acontece no plano individual. Ontem fui numa festa. Encontrei o mesmo sujeito que estava nas festas anteriores. No começo da madrugada, eu o vi vomitando, e gemendo em um porre horrendo e sem graça, como nas outras vezes que o encontrei. Estranha essa capacidade de produzir replays desagradáveis. Será que ele não se pergunta: “E depois?”, mesmo já tendo vivido a experiência anterior do depois?
O velho ditado já alerta: Quem diz o que quer ouve o que não quer. No fundo o alerta é para as conseqüências dos nossos atos. Tudo o que fazemos, ou dizemos tem uma conseqüência, na maioria das vezes numa proporção que podemos lidar com elas sem grandes crises. Porém quanto mais ignorante, mais imprevidente, quanto mais arrogante mais imprevidente, e quando essas duas “qualidades” se juntam o desastre é inarredável.
Suzane Richtofen e seus parceiros de crime não se fizeram a pergunta, e se chegaram a perguntar se deram respostas complacentes e sedativas. Eles resolveram se gratificar com a satisfação dos desejos demoníacos que assomaram em suas mentes. Grande parte dos males que assombra as pessoas se deve ao depois, às conseqüências da satisfação de suas taras e desvarios. O refrão: “Não se reprima” passou a fazer parte de uma filosofia de vida equivocada, que desconhece o inexaurível poço de desejos do inconsciente humano e sua volúpia em subir à superfície para buscar satisfação. O Budismo entendeu bem esse funcionamento quando disse que o homem é um animal de desejos, e que é justamente essa fila interminável de desejos ansiando por sua satisfação que torna o ser cronicamente insatisfeito, infeliz e miserável.
Pessoalmente não sou diferente desses animais de desejos. Desejos mulheres reais e imaginárias, desejos riquezas idem, desejo vinganças, e as mais insanas fantasias e perversidades projetam suas sombras na minha mente. Eu as observo, não as julgo, não me sinto culpado por abrigar tamanho “lixo”, e deixo que se desvaneçam por falta de perspectiva de satisfação. Pratico um exercício cotidiano de renúncias à ação satisfatória desses fragmentos de desejos. Até o chocolate que eu adoro entra nessa roda. Isso não quer dizer que sou um reprimido, um sujeito travado, ao contrário, sou mais livre. O fluxo incessante de monstros abissais que querem ver a luz do dia e se banquetear é que aprisiona.
Agora há pouco vi na TV a Interpol dando um alerta internacional de busca de um pedófilo americano. Ele pode ir preso, mas mesmo que não for já é prisioneiro de seus próprios desejos que o dominam. Ele é daqueles que os satisfazem, e obtem prazer em troca. Mas dificilmente isso se faz sem dano a outro, sem lesar direitos, ferir ou magoar corações. E isso tem um preço.
No século XIX e XX um poderoso mago negro inglês chamado Aleister Crowley criou um sistema de magia baseado na seguinte “lei”: “Fazei tudo o que desejares”. Em sua trajetória para seguir à risca a regra destruiu pessoas, levou outras à falência, separou casais, semeou inimizades entre amigos, e se divertiu muito. Morreu sozinho, na miséria, viciado em heroína, e gastando seus últimos tostões pagando rapazes pobres para o sodomizarem (sei que é horrível esse termo, mas não quero perder mais do meu tempo com o Crowley).
Como um bom jogador de xadrez eu me pergunto sempre: “E depois?” O que vai acontecer se eu mover essa peça aqui? O que o outro fará? E se eu derrubar todas as peças? E se der um chute no tabuleiro? E se eu descarregar uma metralhadora na cara do meu adversário? Desejos são assim, programas piratas insaciáveis, sempre gulosos de manifestação, oferecendo recompensas que não podem cumprir, em busca de mentes mais fracas, de incautos que se dispõem a ouvir seus cantos de sereias.
Como civilização não há muito o quê fazer. Mas para você posso dizer: seja livre, pergunte aos animais assombrados que vierem tentá-lo: “E depois?”, e deixem que se dissolvam de volta ao poço de onde saíram.