Por Dulce Magalhães
Estou com saudades de acreditar em Papai Noel.
De um tempo de inocência em que tudo era encantamento e a guerra era uma fantasia divertida. Estou com saudades do sabor de infância, do gosto doce da manga, do amargo do remédio, da dor do corte no joelho, do medo da bronca do pai, dos almoços de domingo, da alegria pura do sapato novo.
Onde foram morar esses sentimentos?
Em que curva da estrada a gente perdeu o caminho do futuro com o qual sonhávamos? Por que agora é o medo que trava as portas e esconde o sorriso pra nenhum vizinho ver?
Ando com saudades de ver crianças subindo em árvores. Aliás, sinto saudades de um mundo com árvores nas calçadas, com terrenos baldios para a piazada jogar bola e ficar encardido de tanto brincar.
Era um tempo sem televisão, sem computador, sem fax, sem celular, sem micro-ondas. Elevador quase não tinha, nem escada rolante, porque até os prédios eram poucos. Contudo, não era um tempo de escassez, pois sobravam sorrisos, sobrava tempo para conversar, sobravam sonhos e esperanças. Hoje todo mundo só tem distribuído medo, angústia, pressa. Ando com saudades de não ter nada para fazer, de ficar de papo pro ar, de comemorar a nota do boletim como se fosse um feito olímpico, de ter orgulho do jardim de casa.
Mas a saudade é doída mesmo quando é a despedida de quem já não mais está. É saudade do amor da avó que a gente só foi compreender depois de ter partido. É saudade da autoridade do pai, que tinha esse jeito de mostrar o quanto amava. Da mãe que estava sempre disponível e a gente só percebe a importância disso depois que se instala a sua enorme falta e não há material no mundo que complete esse buraco sem fundo que virou nosso coração.
Saudade é não saber o que aconteceu com a melhor amiga, não ter mais notícias da vizinhança, nem se sentir em casa quando vai até lá. É bom saber que há um espaço dentro de nós onde guardamos como tesouros as lembranças do passado, mas a visita a essas memórias é uma mistura de alegria e tristeza, de dor e satisfação.
Saudade é bom e é ruim. É bom lembrar de momentos especiais que enchem a gente de nostalgia e trazem de volta ao convívio a irmã que já morreu, mas cada vez que a gente lembra, ela morre de novo. Saudade é assim, reviver e sentir outra vez, mesmo o que não foi tão bom. Porém, é o sentir que dá sentido a tudo, não é?
Saudade é não ver mais, não saber o que houve, não sentir de novo o mesmo sabor, nem a mesma alegria. É ser outro e continuar querendo o que já não é mais.
Saudade é aquilo que fica, daquilo que já passou.
É olhar pela janela e ficar confuso com o que se vê, pois as lembranças se misturam ao presente e a gente espera ver outras paisagens. Outros tempos, eras que se passam numa mesma vida. Coisas que perduram, mesmo que a gente queira esquecer. Coisas que desaparecem, mesmo quando a gente quer que perdurem.
Saudade é estar onde se quer, mas mesmo assim ficar com vontade de estar em outro lugar. É a vontade de ser Deus por um dia para voltar ao passado, sabendo que só será bom se for igual e assim nem precisa voltar.
Seria bom olhar o mundo de novo como quando se tinha cinco anos, seria bom gostar das pessoas igual ao que a gente sentia aos nove anos, seria bom sofrer a doçura da paixonite adolescente, revisitar o primeiro beijo, reviver o primeiro amor, mas sem perder nada do que veio depois. Saudade é incoerência e imprecisão. Não é a lembrança do que aconteceu, mas daquilo que a gente sentiu com o que aconteceu.
O bom da saudade é que podemos editar o passado e reviver só o que quisermos. Nenhum fato jamais será mudado, porém todos os nossos sentimentos em relação aos fatos podem ser alterados. Nosso olhar é que determina o visual, não o contrário. Assim, a vida pode ser mais cor de rosa, mais azul ou marrom, dependendo das tintas que carregamos.
Saudade é olhar para trás, é ver o que já não é, relembrar, sofrer, sorrir e até chorar. É tudo que se quer lembrar, não tudo o que se há para lembrar. Saudade é escolher de que passado se quer participar. É lembrança do sol poente que tinge o céu de cores indescritíveis. É lembrar de abraços, afagos, sorvete no fim da tarde, de risadas compartilhadas, do aroma de frutas maduras, do pão quente no café da manhã.
Saudade é a certeza de outros tempos, uns que já passaram e outros que ainda virão. Saudade é seguir em frente, mas nunca mais estar só.