por Angelina Garcia
Genivaldo, como sempre, foi o primeiro a chegar ao trabalho. Sentou-se à sua mesa, no fundão da sala, enfiou a cara nos papéis e tentou ignorar as provocações dos colegas que entravam logo em seguida.
– E aí, cdf, madrugou de novo?
– Que nada, ele dormiu aqui para não perder a hora.
Anderson e Claudinei apenas davam início ao rol de “brincadeiras”, pelas quais Genivaldo passaria ao longo do dia.
Foi assim desde a infância. Se tivesse mais bolinhas de gude, ou figurinhas para o bafo, alguém perguntava: – Roubou de quem, Genivaldo? Se tirasse boa nota, devia ter colado; quando aparecia de tênis novo, todos queriam batizá-lo, disputando entre si quem daria o primeiro pisão. Reagia com um sorriso tímido, que os colegas entendiam como anuência. Um pouco era o jeito dele mesmo – coisas que nascem com a gente -, outro pouco devia à criação dada pelos pais. Foi educado para não responder, não brigar na escola, não ofender ninguém, não criar confusão. Melhor ficar calado. Para os colegas, um prato cheio; para os adultos, um bom menino.
A cada dia, Genivaldo se encolhia mais: evitava situações de confronto; deixava de opinar, mesmo sabendo a resposta para a pergunta da professora; comia o lanche na sala, depois que todos saíssem; não participava dos eventos agradáveis propostos pela escola, fosse uma gincana, fossem os jogos da aula de educação física. Inventava uma dor, uma doença, para ficar fora de qualquer disputa. Foi se tornando arredio. Para fazer algum contato com ele, agora adulto, os colegas recorriam à costumeira fórmula – pegá-lo para cristo.
Num mundo tão violento, educar filhos com valores que contribuam para a harmonia é realmente uma atitude digna de louvor. No entanto, junto a isso é preciso fortalecê-los para que aprendam a dizer não, não quero, não gosto, não posso, não vou, quando precisarem. É importante que cresçam sabendo que não é possível, nem necessário, atender às expectativas dos outros o tempo todo, embora seja possível, muitas vezes, chegar a acordos.
Um outro ponto a ser pensado é que criança pode não saber o mal que está fazendo ao colega quando o torna alvo de deboches. Um começa e o outro vai atrás, até para garantir que está do lado do mais forte. É nossa obrigação de adulto, participante das relações que cercam aquele que está sob a pressão do grupo, seja como pais, professores, encontrar formas de interferir.
Triste é ver gente grande, que não cresceu, encurralando pessoas com brincadeiras desconcertantes, que deixam de ser brincadeira quando uma das partes não quer participar. Ambos perdem. Aquele que pressiona, ao impedir que o outro se manifeste, deixa de aprender com ele; enquanto este, ao se constituir na zombaria do colega, vai se tornando inseguro.
Para quem se sente incomodado com a marcação cerrada de colegas, é sempre tempo de mudar as coisas, de olhar firme nos olhos deles e dizer: não quero, não gosto. Mesmo que no início se espantem, ou se melindrem, irão se acostumar e buscar outras formas de relação. Há, ainda, a possibilidade de entrar no jogo. Talvez ele não seja tão pesado assim.