por Rosemeire Zago
“Acho que comecei a me perder quando estava na adolescência, ou talvez antes, quando tudo que eu queria fazer ainda criança era interrompido com alguma justificativa que não estava certo, que eu devia agir de outro modo ao que eu insistia em fazer. Eram cobranças, comparações, acusações, sempre alguém me colocando para baixo e eu pensava que deviam estar certos, afinal sempre estavam. Nada do que eu falava, fazia ou sentia parecia ser o certo. Assim, sem perceber, fui me moldando ao que esperavam que eu fosse, quem sabe assim receberia algum elogio ou reconhecimento.
Enquanto eu agradava aos outros, sem ao certo saber sobre meus próprios sentimentos nem o que agradava a mim mesma, as coisas continuaram tranquilas para todo mundo por alguns anos, até que, encontrei um rapaz que pensava ser ideal e fazia ainda mais para agradar a ele. Quem sabe dessa vez haveria algum reconhecimento de meus valores. Meu noivo me dizia que eu estava simplesmente louca ou alegre e eu concordava com ele e as coisas paravam por aí, sem questionamentos. Quando, depois de uns quatro anos, olhei de frente o nosso relacionamento, percebi que eu era tudo que ele e outras pessoas queriam que eu fosse e nada do que eu era realmente. Então, quando comecei a pensar mais profundamente sobre nosso relacionamento, percebi que estava com raiva porque não estava seguindo minhas verdadeiras emoções, afinal, eu nem sabia quais eram. Sempre emotiva e cheia de sentimentos. Não conseguia separá-los ou identificá-los, sentindo uma angústia constante.
Lembro-me de uma noite em particular que sentia raiva. Sentia raiva porque queria falar sobre algo, mas não conseguia identificar o que era. Até que fiquei tão transtornada que fiquei assustada. Chorei algumas horas e os sentimentos afloraram. Tudo que sei é que saíram de mim tanta dor e tanta raiva como na realidade não poderia jamais imaginar que existissem. Parecia que um estranho havia tomado conta de mim e que eu estava tendo alucinações. Continuei assim, até que depois de uns dias, estava sentada, pensando, e percebi que esse estranho era o “eu” que eu estava tentando encontrar.
Intuição, pensamentos, sentimentos e desejos
Rompi esse relacionamento com dificuldades e tentei descobrir onde estavam os pedaços que havia perdido. Devido à angústia que sentia comecei a fazer psicoterapia, e aos poucos comecei a descobrir partes de mim das quais não havia consciência. Descobri que algumas partes que são muito boas para mim, nem sempre o são para outras pessoas. Descobri que eu poderia ser eu mesma sem ficar esperando pelo reconhecimento ou elogio que nunca vinham, e que eu poderia obter o meu próprio reconhecimento. Aos poucos comecei a me cuidar, me ouvir, me senti mais confiante e mais segura de mim mesma, pois começava a ouvir minha própria voz, meus próprios desejos e sentimentos.
A partir daquela noite percebi que eu não era mais estranha de mim mesma, apesar de parecer aos olhos dos outros. Agora tenho impressão de que a vida está apenas no início. Nesse momento estou sozinha, mas não estou assustada, não tenho medo, e não tenho que estar fazendo algo como esperam que eu faça, como sempre me cobravam. Gosto de estar comigo mesma e de me tornar amiga de meus pensamentos e sentimentos. Por causa disso, aprendi a respeitar as outras pessoas, porque aprendi a respeitar meus próprios sentimentos.
Há um senhor, muito doente, que me faz sentir muito viva. Ele aceita todos. Disse-me, outro dia, que eu mudei muito. De acordo com ele, eu comecei a me abrir e a me amar. Penso que sempre amei as pessoas e contei isso a ele, que me disse: “será que elas percebiam isso?” Não acredito que expressasse meu amor, talvez expressasse minha dor, pois parece que recebemos mais atenção quando não estamos bem.
Entre outras coisas, estou descobrindo que nunca senti tanto respeito por mim mesma. E agora que estou realmente aprendendo a gostar de mim, estou finalmente encontrando a paz interior que eu tanto buscava nos outros, mas que eles nunca poderiam me dar algo que eu só posso encontrar dentro de mim mesma”.
Muitas pessoas podem se identificar com alguns trechos dessa pequena história. Apesar de ser difícil enfrentar sentimentos profundos porque sabemos da dor que esse confronto irá causar, ainda é a maneira mais eficaz de se libertar dessa dor. Quando conseguimos olhar para dentro de nós, passamos a aceitar as partes negativas e confiamos que somos capazes de mudar uma por uma e valorizamos mais as positivas, colocando um ponto final no sofrimento que dilacera a alma.
Mas como se encontrar? Dando atenção e ouvindo verdadeiramente seus sentimentos, suas angústias, seus medos, dúvidas, seu sofrimento; sem fugas, sem atalhos, sem desculpas que apenas fazem com que permaneça no mesmo lugar. Apenas dando a si mesma: colo, carinho, respeito, compreensão, e uma vontade imensa de encontrar a parte perdida de você!
Uma música que reflete sobre isso é “Preciso me encontrar”, do Cartola, gravada por Marisa Monte. Segue a letra abaixo para sua reflexão:
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar