por Aurea Afonso Caetano
Trouxe no texto passado (veja aqui), a ideia do confronto diário com o espelho como metáfora para a possibilidade de desenvolvimento da consciência de si ou autoconsciência.
Sabemos que o olhar da mãe ou cuidador é o primeiro espelho para o bebê, é nesse olhar que o recém-nascido vai ser reconhecido e validado em sua existência. É ao mesmo tempo o olhar do bebê que estimula a maternidade e o cuidado da mãe. Desde os primeiros momentos de vida o recém-nascido procura e reage ao olhar da mãe ou cuidador.
Isso acontece com todos os primatas. Quem não viu as fotos recém-postadas de uma chipanzé com seu bebê no colo, olhando para ele da mesma forma como as mães humanas fazem? Olhar de encanto, júbilo, reconhecimento e acolhimento, olhar que faz toda a diferença.
Somente mais tarde, por volta dos nove meses, o bebê começa a reconhecer-se em uma imagem refletida. No primeiro período de vida, ele vê sua imagem mas não a reconhece, pensa que é outra criança alí do outro lado e tenta fazer contato com ela. Num desenvolvimento normal em um determinado momento, por volta dos nove meses de idade, o bebê se reconhece no espelho; percebe então que aquela imagem refletida à sua frente é ele mesmo agora duplicado.
Então, falo do olhar da mãe como primeiro espelho, como primeiro reconhecimento; falei da conversa com o espelho como a possibilidade de autorreconhecimento. Quem sou eu, quem é o sujeito que do outro lado está à espreita, como posso me reconhecer e ampliar o conhecimento que tenho de mim mesmo ao estabelecer um diálogo interno, simbólico, com minha imagem refletida?
Isso tudo para chegar na questão sobre o atualmente tão famoso selfie. A fotografia que antes mostrava o que meus olhos viam, a paisagem ou o outro à minha frente, foi agora invertida. A foto mostra minha imagem na paisagem, com o outro ou comigo mesmo. É como se o foco da ação tivesse sido substituído – sai o outro e entro eu mesmo – I my self (eu e meu auto). Eu mesmo na festa bacana; eu mesmo na praia idílica, eu mesmo comendo o melhor cachorro-quente do mundo, no melhor show de todos os tempos – eu mesmo.
E como se minha existência só pudesse ser garantida através de uma comprovação. Existo na medida em que puder ser visto no mundo; não mais existo para me refletir no mundo, não existe mais uma separação eu-mundo, existo apenas enquanto estiver como que colado ao mundo.
E, se não há distância entre eu e outro, eu e mundo, então qual o espaço para o crescimento e o desenvolvimento? Estar colado ao mundo retira a possibilidade de espaço tridimensional; não há diálogo (que implica duas pessoas em conversa) há um monólogo. Não há espaço relacional, a existência está ficando "chapada".
Para onde caminhamos nós?