por Elisandra Vilella G. Sé
É impressionante que quanto mais idade nós adquirimos mais agimos como se não tivéssemos tal idade. Parece que quanto mais maduro achamos que estamos, não sabemos o que é maturidade. É que a vida não é uma questão de tempo e relógio, as vidas são mais que o tempo.
Parafraseando Carlos Drummond de Andrade em seu poema Idade Madura: “Dentro de mim, bem no fundo, há reservas colossais de tempo, futuro, pós-futuro, pretérito…” E o que seria esse tempo? É o tempo do relógio? Um tempo de sucessão de momentos? Ou é o tempo imaginário?
Memória é importantíssima para integridade pessoal
Estamos invadindo o tempo vivido. Nós conseguimos construir nossa identidade quando construímos um futuro para dentro do passado. E sem perspectiva de futuro nosso presente se torna despedaçado. A imaginação e a experiência de vida tem um papel importante nesse processo. A experiência importa não tanto o que aconteceu na infância, no passado, mas como o futuro poderá ser reconstruído a partir da experiência desse passado. Estamos sempre reconstruindo nossas trajetórias alternativas de vida. Estamos constantemente preenchendo lacunas do passado. É assim que constantemente buscamos o significado da existência no aqui e agora da vida. Para tanto a memória é importantíssima para nossa integridade enquanto pessoa.
Semelhanças entre infância e velhice
As fases da vida do ser humano que transita da infância à velhice, que são fases em que entra em questão a fragilidade da condição humana, nos faz enxergar o velho e a criança como seres entre “duas águas marginais”, entre um futuro e um passado que fazem de seu presente um enigma em si mesmos e para a sociedade em que vivem. Diante do enigma, todos se perguntam sobre quem são e como é o mundo onde estão e no qual se encontram.
A infância e a velhice são fases de passagem de mudanças e transformações. A criança é um vir a ser e o velho é o que foi, mas na verdade infância e velhice se cruzam. Porém, crianças e velhos são sujeitos categorizados socialmente que colocam como exigência um olhar devagar para observar as diferenças e particularidades. Crianças e velhos são sujeitos de vivências individuais e coletivas ao mesmo tempo, que fazem parte de um patrimônio cultural e social, a um só tempo. São eles também que evidenciam a natureza das sociedades modernas classificadas de coisas, de pessoas e de tudo o mais. Para muitos grupos sociais a criança é aquilo que ainda não é, e o velho, aquilo que consiste uma ameaça em termos de futuro. Assim, ambos tornam-se vitimas de algo que está fora deles, fora de um ideal de sociedade. A criança e o velho são assim vistos como seres sem independência, sem desejos, sem autonomia, sem vontades, sem capacidades para gerenciar-se.
A modernidade sucateia as vidas humanas. Então o ideal fica sendo a eterna juventude congelada no tempo. E as pessoas esquecem que o que importa são as experiências de vida sejam vividas em qualquer fase, na infância, na adolescência, na juventude, na maturidade, na vida adulta e na velhice. Diz o poeta Fernando Pessoa “Minha vida tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus”. É preciso ver o envelhecimento numa perspectiva de desenvolvimento. Estamos sempre nos desenvolvendo”.
Uma reconstrução imaginativa é criada por nossas atitudes diante das nossas experiências. Por que exploramos potencialidades do passado. O que importa é como nós refletimos sobre as experiências vividas. É assim que amadurecemos nossas habilidades. Os valores são reconstruídos no presente. Fazemos constantemente contrastes de experiências de eventos. Isso tem implicação de como nós pensamos o tempo. O tempo de vida não é uma duração com ritmos pautados para viver. É a experiência do tempo que passa. Nós somos o tempo. Infância e velhice se desdobram, se transformam, se reelaboram, possuem força e fragilidade ao mesmo tempo. Nossa experiência pessoal, nossa história de vida é um valioso memorial.