Por Roberto Goldkorn
Há cerca de vinte e tantos anos, quando trabalhava como editor em uma pequena editora, encomendei um livro a dois repórteres de polícia do jornal O Estado de São Paulo. Fiz isso porque detectei um nível assustador do aumento da criminalidade. As reportagens se sucediam, sempre com manchetes bombásticas-seqüestros, assassinatos brutais, assaltos violentos e etc. A classe média estava apavorada. O nome do livro: Defenda-se! Não vendeu nada. Alguns amigos ainda brincaram comigo dizendo que a falha foi não ter dado de brinde um revólver.
Dez anos depois, um amigo foi chamado pelo então ministro da justiça para integrar uma comissão de alto nível para apresentar um plano contra o avanço da criminalidade. Fiquei empolgado achando que seria a oportunidade de dar a minha contribuição. Dias depois ele me procurou, murcho, deprimido, dizendo que tudo não passava de jogo de cena, não havia interesse real em dar combate à criminalidade.
Hoje, a morte do jornalista Tim Lopes (TV Globo), em circunstâncias dramáticas reacende o clamor público: passeatas na beira da praia, manifestações cheias de retórica vazia, dão a sensação de que se fez algo. Não, não se fez nada. Mas porque não se faz nada, se o problema é fácil de ser resolvido. Fácil? Dirão alguns surpresos. Claro. Fácil porque toda a sociedade, exceto os criminosos, assim o deseja, os governos naturalmente também querem isso (pelo menos aparentemente). Não se resolve isso porque não se compreende a mecânica geradora da violência e da transgressão sistemática.
Quando os movimentos de esquerda resolveram pegar em armas para derrubar a ditadura militar, em poucos anos todas as organizações compostas não por bandidinhos iletrados, mas por intelectuais com uma poderosa motivação ideológica, foram desmanteladas. Como foi feito esse milagre? Simples, descobriram as cabeças e cortaram-nas. Para o corpo, acéfalo, e sangrando mortalmente, bastou um BOOOOO! Para que saísse correndo esquartejadamente, dispersando seus membros pelos quatro cantos (conheço bem essa história, pois fui um dos membros esquartejados).
A origem da violência
Mas o crime organizado no Brasil é diferente, ele é fruto de um progresso, que gerou muita riqueza, mas deixou muitos de fora da festa. Assim do casamento da riqueza disponível e da miséria kamikaze, nasce um monstro capaz de movimentar milhões dentro de uma paisagem de miséria e exclusão. Essa contradição difícil de ser entendida por quem mora bem, trabalha, estuda, faz supermercado, viaja de vez em quando para o exterior, é a chave do problema. Como vou derrotar aquilo que não conheço? Como empacotar uma tempestade? Como lidar com um sujeito que vive de calção o dia todo, não tem metade dos dentes, não sabe quem é o pai, e nunca saiu da “comunidade”, mas movimenta por dia o que você não ganha por ano?
Essa contradição, porém, não é exclusividade da sociedade marginal, ela está também na outra ponta da linha. As pessoas que hipotecaram a alma. Para montar no poder, e agora lá estão, em sua maioria não sabem grande coisa, são como o traficante desdentado com a 45 na cintura. Têm o poder, mas não têm o caráter, a sabedoria, e a envergadura para exercê-lo em nome de quem o colocou lá. Assim, nada fazem de efetivo. Os que poderiam fazê-lo, dizem: “Deus me livre, me meter na vida pública, aquilo é só para ratos” e assim nos privam de suas inteligências e capacidades.
Desta forma, ficamos entre o psicopata vingativo de pés descalços, fuzil e metralhadora no ombro. E o pusilânime de colarinho branco, que debocha de nós, e brinda a nossa burrice.
A miséria não é a grande vilã dessa situação, a riqueza também não. Para qualquer lado que se olhe, só veremos cenários, irrealidades, fantasias e ilusões. Tudo o que está aí, e nos apavora, foi criado, por nós, e é mantido por nós, que não cheiramos nem fumamos, mas permanecemos em transe. No momento que despertarmos desse transe, em pouco tempo, muito pouco tempo, reduziremos a barbárie a níveis de 1960, ou seja, suportáveis.
No momento em que você apertar a tecla para deletar esse artigo, um gatilho estará sendo acionado, um corpo tombará, mas fique tranqüilo, nenhuma acusação pesará sobre a sua cabeça.