por Patricia Gebrim
Meu gato anda de mal comigo.
Calma… eu já explico! Nesse corre-corre da vida, não ando tendo tempo para os afagos de que ele tanto gosta. Sim, porque, diferentemente do que muitos acreditam, gatos também gostam e precisam de carinho.
Com o bichano a meus pés, escrevo este artigo pensando em como é difícil conciliar as inúmeras solicitações da vida moderna. Trabalhar, estudar, escrever, dar atenção às pessoas queridas, cuidar da casa, do corpo, da alma…
O que dizer das pobres plantas que vivo matando de sede, ou do gatinho que deixo só, mais do que deveria?
Essa sensação de que estou sempre alguns passos atrasada em minha própria vida, me faz sentir uma espécie de culpa. Parece que estou sempre devendo algo, seja para o gato, seja para as pessoas queridas, seja para mim mesma. Sinto-me constantemente em falta, por mais que me empenhe em fazer o melhor.
Como se uma armadilha tivesse sido armada, difícil é encontrar a saída. Hoje mesmo, tive que desmarcar o jantar que tinha agendado com minhas amigas para atender a um compromisso inesperado de trabalho. Amigas que são amigas entendem, mas algo dentro de mim fica achando que algo está errado nessa equação. Como foi que viemos parar aqui?
O que aconteceu com aquele tempo em que tínhamos tempo para sentar na cozinha de uma amiga e saborear um bolo de fubá recém-saído do forno, enquanto filosofávamos sobre a vida?
Fico sempre me perguntando como podemos resgatar aqueles momentos de troca e relaxamento que se traduziam em uma vida mais leve do que a que experienciamos hoje.
São tantas as solicitações do mundo. Parece que tudo nos puxa para fora o tempo todo. Como fazer para que nossa alma sobreviva?
Minha alma é como um golfinho. Precisa das profundezas tanto quanto precisa do ar e da superfície. Imaginem um golfinho que não conseguisse mergulhar, que ficasse o tempo todo na superfície da água. É assim que vivemos, a maioria de nós, aprisionados à superfície, longe do alimento que só pode ser encontrado nas profundezas.
Estamos famintos. Com fome daquilo que faça real sentido. Com fome de coisas que nos alimentem a alma. Aprisionados em um mundo que, por si só, não pode nos aproximar das coisas que de verdade nos trariam uma sensação de completude e felicidade.
Estamos aprisionados em um mundo altamente interessante, cheio de estímulos que nos aprisionam e nos afastam, cada vez mais, dos necessários e saudáveis mergulhos em nosso espaço interno. É fácil nos dias de hoje ficarmos por horas em frente a um computador, ou decifrando as funções de um novo celular. Quão maravilhoso seria se tivéssemos o mesmo empenho e curiosidade com relação ao que se passa em nossas profundezas. Se desejássemos decifrar nossa alma com a mesma avidez com que nos empenhamos em decifrar um novo aplicativo que instalamos em um aparelho qualquer.
Precisamos ter a sabedoria de lidar com o mundo moderno. Com a informação, com a tecnologia. Precisamos saber equilibrar o nosso movimento, caminhar sim para fora, para esse maravilhoso mundo de possibilidades tecnológicas que torna nosso universo cada vez mais amplo e mais rico. Mas não podemos esquecer de levar a nós mesmos nessa incrível viagem, levar nosso ser interno, sensível, observador, dotado de senso crítico e opinião própria. Nosso ser HUMANO.
Precisamos saber preservar os momentos de contemplação que definem e honram a nossa humanidade, caso contrário acabaremos, como nos filmes de ficção científica, nos tornando seres robóticos, frios e padronizados.
É por isso que decido enviar logo este artigo para o Vya Estelar e desligar o computador, para que eu possa dedicar um bom tempo acariciando os pelos brilhantes desse gatinho preto que só quer receber um pouco do meu amor.