por Fátima Fontes
“Não seremos humanos sem segurança ou sem liberdade; mas não poderemos ter as duas ao mesmo tempo na quantidade que quisermos” – Zygmunt Bauman, Livro: Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. RJ: Zahar, 2003).
Vivemos tempos de muita insegurança e pouca liberdade, além de estarmos acompanhando diariamente o noticiário local, nacional e internacional recheado de “más notícias”, que segundo um conhecido meu da área de marketing, é o que vende.
Então, na busca de pequenos “oásis” que nos ajudem a viver, quero refletir neste artigo sobre duas boas notícias: a vitória pessoal e grupal de dois atletas das nossas Paraolimpíadas 2012: são duas histórias para “refrescar” o coração.
Tristeza que não passou de uma noite
A primeira história garimpada para nos aliviar a desesperança atual é a da medalhista paratleta dos 100 metros rasos, portadora de privação visual, a pernambucana Terezinha Guilhermina e de seu guia Guilherme Santana.
Um dia depois de amargar a queda do guia nos 400 m T12, Terezinha Guilhermina correu como nunca correra, ao lado do mesmo guia Guilherme Santana no Estádio Olímpico de Londres. E o resultado desse exercício de superação da dupla foi receber a medalha de ouro e quebrar o recorde mundial nos 100 m rasos T11, percorridos em apenas 12s4.
Nossa guerreira Terezinha assim se refere à sua façanha em entrevista a um conhecido portal: “Foi muito especial ter conquistado esse ouro depois de tudo o que aconteceu ontem (4/09/2012). Pude mostrar ao mundo que um dia podemos chorar, mas no outro temos a oportunidade de rir, dançar… Essa medalha foi um presente, o sabor bem mais especial”.
Ufa! Que notícia humanamente aguerrida: de quantas lutas estamos falando na vida de Terezinha Guilhermina? Afinal, ser portadora de uma privação sensorial, e justamente a visual, num mundo construído para ser contemplado, nos apresenta um desafio existencial profundo. Não sei nada sobre sua vida pessoal e familiar, mas posso imaginar que ela possa vir de uma família que caminhou com ela, fazendo-a sentir-se amada e especial, capaz de superar seu obstáculo físico.
Imagino também seus “tutores de resiliência”, como nos ensina o psiquiatra francês Boris Cyrulnik, ou seja: pessoas que aparecem em nosso caminho para nos lembrar do que somos capazes, porque elas acreditam que o somos. Estou segura que Terezinha Guilhermina teve esses tutores, e sua resposta à dor do “fracasso” de uma noite, assim o provou.
Aprendi há muitos anos atrás, que a esperança é a âncora da alma (Hebreus 11). Portanto, inspirados em pessoas assim, podemos nos ancorar na esperança de construções relacionais mais humanamente solidárias, para suportarmos a atual situação de vida à deriva que caracteriza nosso tempo pós-moderno.
Renascer para a vitória
A outra história que encontrei para nos apresentar ao tema esperança em tempos de desesperança, vem também de nossas Paraolimpíadas de Londres, e é a história do ciclista italiano, medalhista de ouro, Alessandro Zanardi.
Zanardi ganhou (em 5 de setembro de 2012) a medalha de ouro conquistada no contrarrelógio do ciclismo nas Paraolimpíadas categoria H4 para atletas sem as pernas e que usam os braços para impulsionar suas bicicletas transformadas.
Mas esse momento vitorioso foi sendo construído durante onze longos anos e de uma forma tremenda. No dia 15 de setembro de 2001, o italiano que já havia corrido a Fórmula 1 do automobilismo em 41 corridas, sofreu um acidente assombroso numa prova de Fórmula Indy na Alemanha. Apesar de já ter conquistado por duas vezes o campeonato mundial da categoria, o que lhe conferia alta experiência, Zanardi perdeu o controle do carro, que foi atingido no meio pelo piloto canadense Alex Tagliani.
O carro de Zanardi foi partido ao meio: a perna direita do piloto foi arrancada no ponto abaixo do joelho e a perna esquerda foi decepada na altura da coxa, todo esse cenário levou-o a perder 70% do sangue do corpo. Além disso, o osso da pélvis sofreu cinco fraturas e o fígado teve lesões sérias. Seu coração parou várias vezes e passou por sete reanimações que o fizeram renascer.
Mas para qual vida ele renasceu?
Teríamos muitas possibilidades, mas para efeito do tamanho de nossa coluna, reduzirei a duas grandes opções: ressurgir para uma vida derrotada ou para uma vida vitoriosa. Ainda bem que ele optou pela segunda: ele renasceu para ser de novo campeão!
“Essa é uma grande realização, uma das maiores de minha vida”, afirmou Zanardi celebrando a medalha de ouro no peito, bem depois de ter levantado o seu grande troféu: a bicicleta, um tipo de triciclo que tem as rodas movidas pelos braços fortalecidos do atleta. E aí nos esperançamos outra vez: ele não esteve só nessa superação: muitas pessoas o ajudaram a não desistir, e alguém, além dele, acreditou que ele seria campeão outra vez, apesar de tão largas e profundas perdas.
Conclusão: ainda dá para nos esperançarmos
Concluo, fazendo totalmente minhas as vitoriosas e sensíveis palavras do poeta Gonzaguinha, que também optou por se esperançar em meio às precárias condições em que nasceu, mas que muito bem “tutoreado” transformou seu difícil começo em vitorioso salto pessoal.
O Homem Falou
Gonzaguinha
Pode chegar que a festa vai é começar agora
E é prá chegar quem quiser, deixe a tristeza prá lá
E traga o seu coração, sua presença de irmão
Nós precisamos de você nesse cordão
Pode chegar que a casa é grande e é toda nossa
Vamos limpar o salão, para um desfile melhor
Vamos cuidar da harmonia, da nossa evolução
Da unidade vai nascer a nova idade
Da unidade vai nascer a novidade
E é prá chegar sabendo que a gente tem o sol na
mão
E o brilho das pessoas é bem maior, irá iluminar
nossas manhãs
Vamos levar o samba com união, no pique de uma escola
campeã
Não vamos deixar ninguém atrapalhar a nossa passagem
Não vamos deixar ninguém chegar com sacanagem
Vão’bora que a hora é essa e vamos ganhar
Não vamos deixar uns e outros melar
Oô eô eá, e a festa vai apenas começar(vamos lá
meu amor
Oô eô eá não vamos deixar ninguém dispersar.
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