por Samanta Obadia
No último dia treze, assisti a um espetáculo de dança contemporânea, chamado “Corpos ímpares”, um projeto da Pulsar Cia. de dança, que trabalha com arte, dança e deficiência.
O nome do evento carrega em si um significado interessante, pois nos conduz a pensar a diferença. O ímpar é único, não faz par, não está incluído na normalidade. Desde o nome, o evento movimenta o espectador diante do outro, não somente um outro corpo, mas um outro diferente, com qualificações não experimentadas por nós, seja através de sua elaborada técnica ou do seu limite corporal.
Havia performances com bailarinos cadeirantes, com bailarinos portadores de paralisia cerebral e com bailarinos com faculdades físicas ‘normais’. Todos movimentaram-nos em nossa ‘normose’, termo tão bem apontado por Hermógenes (grande professor de Yoga). A ‘normose’ é a ‘doença de ser normal’, quando todos querem se encaixar num padrão, e isso nos neurotiza, nos levando a um lugar que não aceita a diferença.
”Corpos ímpares” levou os espectadores ao incômodo lugar da verdadeira observação, ao lugar daquele que se desloca de si mesmo para ver o outro, enquanto alguém que não sou. E este é o lugar do pensar filosófico, que não teme não entender, que não teme perguntar, que não teme não-saber.
Desde o *Tempo Líquido, interpretado por Maria Alice Poppe, ao **D-Equilíbrio de Marcos Abranches, nossas mentes e corpos, aparentemente ‘normais’, desintegraram em algum lugar, na estranheza de olhar e pouco entender, de não saber, de encontrar o belo onde ele não costuma estar.
O exercício do pensar está na arte, quando ela se produz enquanto comunicação, como algo que nos tira o fôlego ou que nos tira as palavras do lugar comum.
Durante o espetáculo, observei alguns espectadores estupefatos, alguns por gostar, outros por não gostar. Mas isso não importa, o fundamental é que todos, de sua forma ímpar, ad-miraram, ou seja, mantiveram o seu mirar (olhar) ad (junto) ao que se apresentava. E essa experiência de contemplação é o que falta ao olhar contemporâneo, viciado no olhar pronto da normose dos corpos sarados das passarelas bioecologicas.
* ‘Tempo líquido’: “Exercício sobre o uso apropriado do tempo dilatado, que se justifica no momento em que o movimento habita o corpo no presente, ora estendendo, ora encurtando, como no tempo cósmico”. Os movimentos de Maria Alice buscavam essa linguagem com movimentos fortes e repetitivos, sem intenção de ‘lugares’ comuns da beleza na dança.
** D-Equilíbrio é uma coreografia interpretada por Marcos Abranches, bailarino portador de paralisia cerebral, que “através da dança contemporânea percorre o caminho saudável da vida que é quebrado pelo descontrole e pela atitude desarmoniosa que foge dos padrões normais ditos pela sociedade.”