Será que você é refém do dinheiro?

por Valéria Meirelles

Antes de falar sobre as patologias financeiras, para o melhor entendimento do assunto, prefiro começar definindo o que é uma patologia: *o estudo da doença com a finalidade tanto de compreender sua causa como aplicar esse conhecimento ao tratamento de pacientes.

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A palavra “patologia” é derivada do grego, onde pathos significa sofrimento, doença; e logia, significa ciência, estudo. Portanto, o estudo das doenças em geral sob aspectos determinados. No nosso caso, sob os aspectos financeiros.

Não é fácil escrever sobre patologias financeiras, pois ainda não existem amostras significativas de pesquisas, embora haja estudos sobre elas em várias áreas além da Psicologia, como Antropologia, Psicologia Social, Sociologia, Teologia, Filosofia além claro, da Psicanálise, com grandes contribuições de Freud. Então, vamos a elas:

As patologias que vemos com mais frequência em nosso dia a dia são a compulsão por comprar, quando o indivíduo compra sempre ou muito; e o famoso “pão-duro”, aquele que “vive como pobre e morre rico”, pois passa uma vida de privações pelo prazer de ter muito dinheiro na conta. Para quem não imaginava, sim, ambos os casos são patologias financeiras!

Existem também os indivíduos que jogam compulsivamente, os que colecionam objetos, os que negociam pelo amor (Love Dealers), os obcecados em fazer dinheiro, entre tantos outros.

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Para identificar tais patologias precisamos ter clareza de algumas informações fundamentais: onde, quando, com que frequência o comportamento ocorre e suas repercussões e consequências. Assim, seremos capazes de contextualizá-lo e entender seu significado, para finalmente partirmos para um tratamento.

Necessidade por segurança

Vamos começar pela “Necessidade por Segurança”. Antes que você imediatamente se reconheça – comigo foi assim também – e já se julgue doente, faremos perguntas-chave , conforme mencionado acima: onde e quando a necessidade por segurança torna-se patológica? Em quais circunstâncias?

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Considerando a sociedade capitalista em que vivemos, dinheiro atua como importante ferramenta para nos dar os bens materiais de que necessitamos para viver com dignidade, e também para realizar nossos sonhos e nos dar muitas vezes o status social que almejamos.

De uma forma bem linear raciocinamos: “mais dinheiro, mais segurança”, como se ele fosse nosso cinto de segurança contra todas as intempéries da vida. E até pode ser, mas claro que nem sempre.

A questão torna-se patológica quando as pessoas ficam reféns dessa segurança, com medo de perder o dinheiro e ameaçadas por qualquer situação que a impeça de sentir a emoção propiciada pelo dinheiro, seja pelas compras compulsivas, pelos que se punem, pelos caçadores de promoções ou pelos colecionadores fanáticos que acumulam ao longo da vida uma série de objetos, que dão a ilusória sensação de superioridade e poder. Aos poucos falaremos de cada um deles.

Para Goodberg e Lewis, os autores que seguiremos neste texto, há as pessoas que precisam fervorosamente de dinheiro como segurança, outras como poder, amor e, liberdade. Hoje falaremos da primeira: segurança.

1- Os poupadores compulsivos

Para eles, a principal recompensa é o dinheiro poupado. Não importa quão sacrificante seja a economia que terão que fazer, vale a pena a satisfação de constatar que o dinheiro está na conta corrente, poupança, imóveis e outros investimentos. Nada é mais importante e prazeroso.
No popular, é o “pão-duro” ou “mão de vaca”.

Suas atitudes em relação a economizar chegam aos extremos de gerar desconforto e aversão àqueles que estão perto, inclusive na família, pois estendem a necessidade de poupar indistintamente a todos os seus membros, obrigando-os muitas vezes a economias preocupantes como por exemplo, não ter seguro saúde.

Criam um estigma de pessoas mesquinhas, mas não se importam, sentem-se felizes assim.

Às vezes geram conflitos nas relações interpessoais, pois é sabido que possuem dinheiro, mas optam por não gastá-lo independentemente da situação.

No casamento, quando um dos cônjuges tem essa característica, é importante que o casal converse muito sobre a forma pela qual administrarão o dinheiro a fim de evitarem problemas futuros.

2- Os autonegados (Self-denier)

Para os autonegados poupar também é fundamental, mas exigirá uma dose de sacrifício que será alardeada aos quatro ventos, pois a economia será feita só mais em relação às suas próprias coisas e um pouco menos com os demais.

Por exemplo: são as pessoas que gastam pouco consigo mesmas e quando gastam com os outros (filhos, maridos, pai, mãe, familiares, amigos), dizem que estão comprando ou fazendo algo mais simples pois estão com pouco dinheiro, etc, etc. No popular, “desfiam um rosário de lamúrias”, para explicar que apesar de não terem dinheiro suficiente, estão dando algo para o outro e fazem questão de deixar isso bem explícito. Em contrapartida, a conta bancária ou os investimentos, crescem.

A questão aqui é a necessidade de segurança associada ao autoflagelo (diferente da patologia anterior) e busca pela legitimação do outro no sentido de ouvir: “puxa vida, é mesmo, você se sacrificou por mim, obrigado”.

Gastar quase nada consigo mesmo, pouco dinheiro com o outro e deixar claro o sacrifício que isso representa para ter o apreço dos demais é o padrão que mais agrada os autonegados.

3- Os caçadores compulsivos de promoções

Nessa patologia, o dinheiro é poupado arduamente e pelo maior tempo possível para ser usado naquela megapromoção anual das lojas X, Y, Z. E aí, vale a quantidade de produtos adquiridos, independente da qualidade.

Ao final, mesmo comprando muitas coisas que nem valeriam tanto a pena, mas que estavam com preços excelentes, a sensação de que ganharam dinheiro na promoção vale cada dia e centavo poupados.

Revelando comportamento irracional, a emoção deriva do fato de as pessoas se sentirem mais espertas que as outras comprando somente nessas promoções. A questão é que trocam quantidade por qualidade na busca de mostrar ao outro “seu poder de fogo”, o que quase nunca é verdadeiro.

4- Os colecionadores fanáticos

Os colecionadores fanáticos tendem a acumular qualquer tipo de coisa que represente um valor para eles, independente do que seja. Precisam de quantidade e foco na acumulação material desses objetos, a fonte maior para terem afeto e segurança.

Estão sempre comprando mais uma peça da coleção de elefantes, de selos, mapas, tampinhas de garrafa, sapos, gibis, enfim, de qualquer coisa que consideram importante e claro, recusam-se terminantemente a dar tais peças.

Podem dar suas vidas para adquirir aquele objeto “X” e encontram nesse comportamento de colecionar, um sentido para suas vidas, evitando assim, inconscientemente, sentimentos de solidão e isolamento.

E de uma “maneira fácil”, vamos assim dizer, porque objetos não exigem nada em troca, além de darem aos colecionadores, uma sensação de status e poder por terem objetos em quantidade e na maioria das vezes, diferenciados.

Alguma lacuna emocional faz com que se sintam vencedores pela acumulação de objetos e isso é o que importa, afinal, segurança não é para perdedores.

Reflexão

Como costumamos dizer na prática clínica, não é exatamente o que você faz – desde que tenha uma postura ética – mas como faz e o sentido daquilo em sua vida que dará um significado diferente às experiências.

Claro que todos nós já colecionamos ou ainda colecionamos algo, já ajudamos alguém próximo e demos uma “alavancada no valor” da atitude, já corremos atrás de uma promoção alucinante e talvez já tenhamos poupado e alucinadamente numa época da vida em que isso fazia sentido.

Porém, os problemas surgem quando ficamos presos exclusivamente a esses padrões e deixamos de olhar para os lados e viver outras possibilidades.

Como bem colocou o consultor, psicanalista e doutor em economia Kets de Vries: “Nos assuntos de dinheiro, tudo é uma questão de equilíbrio”.

Até o próximo artigo!

Referências

DE VRIES, M. K (2007) Money, Money, Money. In: Organizational Dynamics, Vol. 36, No. 3, pp. 231–243
FERREIRA, V.R.M (2008) Psicologia Econômica: Estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão. Rio de Janeiro: Elsevier.
FURNHAM, A; ARGYLE, M (2007) The Psychology of Money. 3rd Reprinted. New York: Routledge.
GOLDBERG, H; LEWIS, R.T (1978) Money Madness: The Psychology of saving, spending, loving and hating money. New York: William Morrow and Company, Inc.

* definição retirada do portal da Rede Psi-Psicologia.