por Roberto Goldkorn
Há poucos meses uma amiga envolvida num relacionamento amoroso, me pediu conselhos.
Descreveu a personalidade narcisista de seu namorado e contou-me alguns episódios onde para mim ele se revelou como uma pessoa perigosa.
Imediatamente a aconselhei a terminar com ele.
Secretamente não era essa a minha verdadeira intenção e sim testar a minha suspeita a seu respeito. Ela, ainda indecisa, pois gostava dele, mesmo hesitantemente, fez o que lhe orientei.
A reação do sujeito foi a pior possível. Primeiro a hostilizou, chegou a ofendê-la, tentou humilhá-la, mas ela permaneceu firme.
Depois na fase dois, veio rastejando implorando suas desculpas e a famosa “segunda chance”. Ela chegou a balançar, mas eu a lembrei das agressões iniciais, das palavras duras, das ofensas e lhe perguntei caso o aceitasse de volta e o namoro evoluisse, se ela um dia esqueceria aquelas ofensas e o ódio faiscando de seus olhos.
Ela disse não e permaneceu firme.
Na terceira fase a carga veio em forma de ira, um desejo de vingança e de retaliação pela “ousadia dela em terminar com ele”. Começou então uma campanha difamatória na cidade, tentando convencer a todos e aos amigos comuns de que ela era a pior vagabunda do mundo.
Foi nesse ponto que disse a ela: “Pare, e observe! É esse o sujeito que dizia lhe amar, com quem chegou a fazer planos de uma vida em comum. Precisou tão pouco para que ele revelasse a você – porque eu já havia desvendado – sua verdadeira face”.
Os tigres não mudam suas listras, por mais que se disfarcem de defensores da ecologia, por mais que se esforcem, por mais que você os alimente só de arroz integral e acelga, eles serão sempre tigres.
Ó… dirão alguns de vocês, esse cara não acredita que as pessoas possam mudar! Ele é um determinista, um fatalista!
Ao contrário, acredito profundamente que a maioria das pessoas possa mudar seja como resultado de um trauma profundo ou de um longo processo de erros e acertos que alguns chamam de Vida.
Mas há pessoas “doentes”- sofrem de “tigrice” aguda ou crônica como preferirem. Psicopatas, neuróticos, narcisistas extremos, fanáticos, adultos que nunca deixaram de ser crianças, arrogantes congênitos, etc… são outro capítulo dessa categoria chamada de humanos.
Acho o tigre um animal magnífico, de fato é um de meus favoritos, convivo com vários, nas páginas de livros e em fotos na parede, mas ao vivo é outra história: são predadores, nasceram assim e ai de você se cruzar seu caminho, e eles estiverem com fome (o problema é que sempre estão).
Como predadores por natureza, sentem o cheiro da presa.
Conheço mulheres que são verdadeiras domadoras, os tigres não se metem a besta com delas, e quando isso raramente acontece, viram gatinhos diante de seu chicote e saem miando para subir em outros telhados mais acessíveis.
Mas não é preciso viver com um chicote como extensão da mão – basta ter amor à própria vida, amar mais a si mesma do que a aventura e o risco.
Não rimar amor com dor.
Nunca acredite na balela de uma cultura romântica de que o amor é capaz de milagres – nem terapia é.
É cansativo e doloroso vermos as cenas de ex perseguindo com arma em punho suas ex-namoradas, ex-mulheres, ex-noivas…
Mas essa é apenas a ponta do iceberg.
Para cada tigre perseguindo armado sua ex-amada, existem milhões que devoram lentamente suas presas que acreditam ser isso uma relação.
Os tigres se amam, por isso fazem aquilo que a natureza os programou para fazer, mas suas vítimas não se amam, ou estão contaminadas pelo vírus perverso do mito do amor: o sofrimento.
Um relacionamento adulto, saudável, não inclui a cláusula do medo, do campo minado das desconfianças, nem da inconfidência absoluta. Quando vejo alguém que me diz : “Para ele (ou para ela) não tenho segredos, contei tudo sobre o meu passado, não escondi nada – ele (ela) agora sabe TUDO sobre mim”- sei que estou diante do perigo.
Por que raios alguém iria querer ser o detentor de todos os meus segredos?
Desde quando escancarar seus meandros mais íntimos, sua história pregressa é garantia de alicerces sólidos?
Ao contrário, geralmente quem exige esse tipo de esvaziamento das gavetas do outro, nunca revela o conteúdo de todas as suas gavetas. Claro que não. O que se pretende aí é ter controle sobre o outro.
Intuitivamente esses tigres astuciosos, conhecem a máxima ocultista que diz: “Conhecimento é poder. Quanto mais conhecimento você tiver sobre alguma coisa ou alguém, mais poder terá sobre essa coisa ou esse alguém”.
Uma vez meu antigo mestre Molinero me disse com seu sotaque espanhol arrastado: “Roberto, sou casado há quarenta anos e até hoje tenho um quarto fechado dentro de mim que a minha companheira de toda a vida, não possui a chave. Esse é o segredo do nosso sucesso”.
Desconfie de quem em nome de um relacionamento transparente e sincero lhe exige que esvazie suas gavetas mais íntimas.
Seu passado é seu. Ponto.
Seus segredos são seus. No máximo pode partilhá-los em sua terapia ou com o sacerdote (e olhe lá). Nunca com o parceiro que HOJE está na sua vida. Talvez possa sim, depois de trinta anos juntos… talvez.
Gostaria de lembrar-lhe que às vezes um tigre demora para mostrar suas listras, às vezes nem mesmo ele sabe que é um tigre, até que o cheiro de carne sangrando lhe chegue às narinas felinas.
Resguarde-se, isso não signifca insinceridade.
Amar não está diretamente ligado ao grau de confissões que se é capaz de expor.
No que eu acredito? Que num mundo onde o “amor” mata e mutila tanto quanto o trânsito e a guerra, sobreviver é a palavra-chave.
Por isso aposto nas mulheres domadoras. Pode ser até que elas sejam mais solitárias e passem mais tempo sem suspiros e suor dos amantes, mas seu corpo e sua alma têm menos cicatrizes de seus encontros com os tigres.
As domadoras só não são muito mais felizes quando de vez em quando sentem uma certa nostalgia do bafo do tigre em seu cangote.
Mas logo esquecem isso ao perceber que o amor sem dor é possível, que nem só de tigres vive o mercado do coração, e que existem seres maduros, bem resolvidos, saudáveis que estão no caminho também para experimentar o amar e ser amado, sem a sombra das garras afiadas, apenas amor, aquele simples e maravilhoso sentimento que alavanca e promove o progresso humano.