por Roberto Goldkorn
Uma cliente muito romântica estava me dizendo que enfim encontrara o seu par perfeito. Iria casar em breve (“ele ainda não sabia”- ela brincava) e seria muito feliz. Depois deixava cair pelo caminho algumas “pedrinhas”: “Ele era muito fechado, não prestava atenção no que ela falava, e era meio desligado…”.
Na hora a sirene do alerta soou. Infelizmente a interpretação dessas pequenas “esquisitices” mostrava que ela estava para cair numa grande armadilha. O amor de verdade, precisa ter como pré-requisito: atenção, concentração e comunicação. Tudo aquilo que o seu futuro marido demonstrava não ter, e que no momento passava batido. Isso aparecia nas contas dela como coisinhas miúdas sem importância, não só eram índices de que algo estava errado, mas se o projeto dela prosperasse, seria o ácido que iria corroer o dia a dia… depois.
Parece bobagem, mas prestar atenção, focar, concentrar-se não só no outro, mas na vida à sua volta, é fundamental para uma relação a dois. Um dia vou ousar construir uma escala do distraído ou desconcentrado, que vai do zero concentração, indicativo de doença mental grave, até a concentração ótima, indicativo de um ser humano que sabe se ligar a outro ser humano.
O grande Roberto Freire, psicólogo, educador e filósofo, dizia que o segredo do bom terapeuta é “ouvir criativamente”. Como ouvir criativamente, se ouvir é um ato “passivo” e criatividade é ativo? Ouvir prestando atenção e fazendo as correlações, buscando sentido no que é dito, ou a falta de. Não prestar atenção ao outro, antes mesmo de ter o cotidiano como inimigo, é uma clara demonstração da irrelevância do outro. E ela queria casar com alguém que a considerava irrelevante, não digna de ser ouvida.
Existe ainda a grande e perversa ilusão, de que o amor é um valor em si. Não é. O amor precisa vir carregado de atributos emocionais e intelectuais, como a capacidade de ouvir o outro e se fazer entender. É óbvio que, quando as personalidades infantis pensam em amor, não colocam no seu filme os scripts do cotidiano, ou seja, como esse “amor” vai se mostrar no embate do dia a dia, diante dos imensos desafios que uma relação inserida no contexto do mundo, precisa ter. É a mesma coisa que certas meninas fazem quando sonham e investem quase tudo no “casamento”, sendo que por casamento elas entendem prioritariamente a CERIMÔNIA nupcial e não todos aqueles anos que estão por vir e os seus desafios.
Projeto essa menina daqui a dez ou quinze anos, vindo me ver e dizendo resumidamente: “Sou viúva de marido vivo!” Quantas vezes ouvi essa frase. A sensação de irrelevância, de não valer nada, de ser uma pessoa de terceira categoria, é comum para essas mulheres, embora aconteça igualmente com os homens, em menor escala.
Lembro-me de uma pessoa que entrou para a minha família (mas já saiu) que tinha alguns hábitos interessantes: colocava óculos escuros e dormia diante das pessoas que (verborrágicas) não paravam de falar acreditando que ele as estava ouvindo. Outra coisa interessante, ele fazia perguntas, que aparentemente demonstrava o interesse dele no outro, mas quando a gente se preparava para responder ele simplesmente dava as costas e saia ou se dirigia a outra pessoa próxima, e a nossa resposta ficava perdida como uma mão que cumprimenta, suspensa no ar. Isso pode ser devido a problemas neurológicos, psicológicos e por narcisismo. Ou seja, pessoas que não se importam de verdade com os outros, apenas consigo mesmas.
O sujeito ou a mulher “desligada”, pode ser na verdade alguém que não está ligada, que não se liga, é incapaz de criar vínculos emocionais e atencionais com o outro. Imaginem um casamento onde o seu companheiro não está ligado em você, não repara se você está com uma couve nos dentes durante um jantar com convidados, ou se você está nervosa, ou triste, ou zangada por alguma razão?
É claro que o oposto radical dessa desatenção, é a atenção perversa, onde o sujeito fica ligadíssimo no outro para pegar suas falhas, suas “contradições” e usar “tudo quilo que disser, contra ela mesma” no tribunal de seu relacionamento. Mas isso já é tema para os psicopatas de plantão.
Se não podemos obter atenção real, interesse real, concentração real, comunicação real por parte do nosso companheiro, não seria melhor estarmos sós – de verdade? Qual a capacidade de gerar INTIMIDADE, fundamental para qualquer relacionamento de sucesso, quando não se tem os atributos citados? Ah, você acredita que o casamento de seus avós não tinha intimidade e durou cinquenta anos? Então deixa eu lhe dizer uma coisa: poderia não ter o tipo de intimidade que você está pensando, porque a cultura deles era mais restritiva, mas tinha RESPEITO. E certamente deveria ter tido ADMIRAÇÃO, que só é possível quando existe o foco no outro, quando realmente nos importamos, em ouvir e sentir o outro.
Naturalmente que, havendo amor e interesse genuíno de ambos, mas algumas deficiências forem percebidas, sempre se pode “concertar” ou como Jung dizia, retomar o traçado original que se perdeu. Mas nenhum concerto será possível, se esses aspectos forem negligenciados por um dos lados. Achar que tudo isso é bobagem e que depois de casar se ajeita, ou que a indiferença do outro é “apenas uma coisa do signo dele”, não vai ajudar a enfrentar o problema. De fato, essas pessoas hiperansiosas por casar, costumam não ver “problemas” no comportamento ausente do outro, e mesmo quando os percebem, são minimizados ou escondidos na gaveta com a etiqueta “tratar depois do casamento”.
Quando perguntar ao outro se ele lhe ama, a resposta “hum hum” for suficiente para ir atrás do vestido de noiva, você pode estar cometendo um erro comum, mas grave. Mesmo que o seu companheiro esteja de saco cheio por ser a milionésima centésima vez que você faz a pergunta (naquela semana apenas), desligar os aparelhos da atenção não é um sinal de vida longa e próspera para o relacionamento.
Quando olhar para o outro: veja. Olhe reparando, escaneando como se diz.
Quando o outro estiver falando escute e ENTENDA (se não entender faça perguntas).
Quando você falar certifique-se de que está se dirigindo à pessoa e não ao vácuo estelar. Se perguntar alguma coisa, esteja PRESENTE para ouvir a resposta. Mais que isso não antecipe a resposta que quer ouvir.
Concentre-se em cada coisa, em cada tarefa, concentre-se no outro que está à sua frente, observe-o. Pergunte-se: sou capaz de ligar para ele ou ela? Se algo ruim acontecer com ele ou com ela, vai me afetar?