por Patricia Gebrim
“É perigoso inventar o que não existe.”
Na vida existem dois tipos de sofrimento que, em um momento ou outro, se impõem a todos nós.
Existem os “sofrimentos reais”, os inevitáveis movimentos de vida que acontecem vez ou outra e nos obrigam a ser maiores do que nos imaginávamos capazes, nos fazem superar limites, crescer, amadurecer. Aqui podemos pensar na perda de pessoas queridas, nas separações, nas doenças, nas reais limitações. Tudo isso dói de verdade e angustia nossos corações.
Mas esse tipo de sofrimento não costuma acontecer o tempo todo. Eles vêm como uma onda, reviram tudo em sua passagem, nos ensinam preciosas lições e depois, em algum momento, se vão.
Existe também uma outra classe de sofrimento, que chamarei de “sofrimentos ilusórios”. Os sofrimentos ilusórios não são causados pela vida. São causados por nós. Pela forma como escolhemos lidar com o que a vida nos apresenta. Pela nossa não aceitação do momento presente, não aceitação da vida e das pessoas como elas realmente são. Pelas nossas expectativas, essas fantasias que criamos e depois exigimos, como crianças mimadas, que se tornem reais.
Quando isso acontece, sofremos. A maior parte de nossos sofrimentos está relacionada a esse tipo de dor. Uma espécie de dor fantasma. Dor de ilusão. Dores desnecessárias que podem nos roubar a paz por anos, se assim permitirmos. É a dor de quem sofre porque foi abandonado por aquela pessoa que só era bacana na sua imaginação. A dor de quem espera atenção especial de um amigo egoísta que só se preocupa consigo mesmo. A dor de quem entregou a vida ao trabalho esperando ser reconhecido numa organização capitalista que venera o dinheiro, para acabar sendo dispensado sem aviso prévio ou um mínimo de consideração.
Sofremos dores ilusórias porque nos recusamos a ver as coisas como as coisas são. Negamos a realidade, inventamos pessoas, as criamos com detalhes e esquecemos de que elas só existem na nossa imaginação. É a dor de alguém que se apaixona por quem não conhece e se frustra quando o sentimento não é recíproco. Você ao menos perguntou se o outro queria se envolver com você?
Precisamos parar de fazer isso, ou acabaremos perdendo a saúde e a sanidade, sugados por um redemoinho criado por nossa própria ignorância.
Quando paramos de esperar que as pessoas sejam dessa ou daquela forma. Quando vamos ao encontro da vida com os olhos abertos e com o coração pronto a aceitar as limitações humanas, descobrimos um caminho infinitamente mais leve e colorido.
Ora, se vemos um tigre, e sabemos que é um tigre, e o tratamos e respeitamos como um tigre, tudo fica bem. O lado instintivo, e às vezes agressivo do tigre, não é sentido como um ataque ao nosso ser. Compreendemos que é simplesmente a sua natureza. Dificilmente seremos apanhados desprevenidos pelo tigre, saberemos manter uma distância segura.
Mas se, infantilmente, tentarmos transformar o tigre em um gatinho e acariciar sua cabeça, não será justo culpá-lo por devorar nossa mão. Teremos que compreender que fomos nós que criamos para nós mesmos aquela dor.
É perigoso inventar o que não existe. Façamos as pazes com a realidade e poupemos nossa energia para lidar com as dores reais, quando a vida assim decidir.