por Gilberto Coutinho
Shiva e Parvati: deidades hindus que representam a dualidade do universo, os aspectos masculino e feminino de Deus
Há uma antiga crença entre os hindus… Muito, muito tempo atrás, na antiga Índia, os deuses e as deusas, sempre que desejavam, desciam do céu a Terra e tomavam a forma dos seres humanos. Apesar de parecerem e viverem como tais, eles tinham surpreendentes poderes – siddhiis – que, obviamente, não eram humanos.
Eles podiam tomar a forma de qualquer coisa, de animais, plantas, árvores ou rochas e retornarem a aparência humana a qualquer momento. Os deuses e as deusas também podiam surgir nos sonhos das pessoas que, sinceramente, os adoravam e conceder a elas certas bênçãos especiais. As pessoas que recebessem tais bênçãos podiam também realizar grandes poderes mágicos. Na Índia, histórias fascinantes desses tempos longínquos são, até hoje, tradicionalmente, contadas e recontadas com grande entusiasmo e reflexões.
Conta uma antiga tradição que, além de serem casados no céu, Shiva e Adishakti sempre que decidiam tomar a forma humana, eles se reencontravam na Terra e se casavam outra vez. Na história a seguir, Adishakti nasce como a bela princesa Parvati, enquanto Shiva, um poderoso yogue indiano. Parvati sabia que Shiva é seu único homem e amor, mas, sendo Shiva tão compenetrado e determinado nos ideais de asceta e com a prática de concentração e meditação, Parvati não conseguia fazer com que ele a percebesse e se casasse, novamente, com ela. Na angustiante tentativa de despertar o interesse e amor de Shiva, Parvati torna-se uma yoginii e passa a viver numa floresta meditando constantemente em seu nome. Essa antiga e interessante história de amor segue seu destino com Mena, uma formosa jovem escolhida para ser devota de Shiva e que mais tarde se tornaria a mãe terrena de Parvati.
Mena era uma jovem princesa que, com todo o seu coração, adorava muito o Senhor Shiva. Sentindo-se agraciado pela verdadeira devoção de Mena, Shiva a presenteou com uma benção – siddhii – muito especial: a habilidade mágica de transportar-se para qualquer lugar. Mena era feliz por há muito tempo ser uma fervorosa devota de Shiva, mas seu real desejo era algum dia poder conhecê-lo. Certo dia, ao tomar conhecimento que o Senhor Vishnu havia convidado os deuses e sábios para uma visita a sua ilha no céu, ela ficou muito esperançosa de, muito em breve, poder realizar o seu antigo sonho. Como Shiva era grande amigo de Vishnu, provavelmente, ele também seria convidado. Tudo de que ela precisava fazer era se transportar para a ilha no céu, quando chegasse o momento. Como seu coração estava tomado pela euforia e a possibilidade de, realmente, encontrá-lo, ela partiu…
Mena surgiu, primeiramente, diante de Vishnu, que era bem conhecido pela sua generosidade e hospitalidade. Olhando para sua face, Vishnu percebeu o profundo amor que ela nutria por Shiva. Com um amável sorriso, disse-lhe: “Gostaria a senhorita de permanecer e conhecer meus amigos? Shiva, em breve, chegará!”. Tão enorme era a devoção de Mena que o simples fato de pensar em vê-lo a fez entrar numa espécie de transe, então, ela sentou-se ao chão em profunda contemplação. Absorta, não percebeu que os deuses e os sábios haviam começado a chegar para a reunião.
Se os ilustres convidados soubessem que Mena estava sob efeito de um intenso transe por causa de Shiva, eles, certamente, iriam compreender a razão pela qual ela não se levantou e aproximou-se para cumprimentá-los. Mas como não sabiam, eles balançaram suas grisalhas cabeças e demonstraram completa desaprovação: “Essa garota! Que desrespeito!”. Antes que Vishnu tivesse a chance de explicar o ocorrido, um dos velhos sábios murmurou: “garota mal-educada, pelo fato de você não ter se levantado para nos cumprimentar, você se casará com uma montanha!”. Quando ela recobrou os sentidos, Mena tentou de todo modo se desculpar e implorou perdão, mas seu destino não poderia ser mais alterado. Ao retornar a Terra, ela lamentou profundamente o ocorrido: “Como poderei me casar com uma montanha?”. E chorou desoladamente.
Anos mais tarde, Mena escalou o Himalaia – o rei das montanhas. Himalaia também havia recebido uma benção especial dos deuses que o permitia se transformar em qualquer coisa que ele desejasse. Na maioria das vezes, ele tomava a forma de uma vasta cordilheira de montanhas que ia do leste ao oeste e cujos picos são os mais altos do mundo. Foi assim que Mena o encontrou. O sopé do Himalaia era coberto por exuberantes matas.
Na primavera, o derretimento da neve enchia abundantemente os rios e lagos com água fresca e gelada, o que atraia centenas de pássaros e animais. Muitos sábios e yogues lá viviam e meditavam no interior de cavernas. Mahadeva Shiva sempre que vem a Terra toma a forma de um yogue e escolhe como sua morada os lugares mais distantes, especialmente, o silencioso e gelado Monte Kailash – o mais alto de todos os picos cobertos de neve da cadeia de montanhas do Himalaia.
Himalaya – o rei das montanhas – se orgulhava por ser Shiva seu hóspede especial. Mas, quando Himalaya sentiu que a amável Mena vagava pela suas “costas” e escutou seus lamentos, o desejo por ter uma esposa cresceu em seu coração e ele se apressou para se apresentar a ela na sua forma humana. Ele era um belo e sábio homem. Mena e ele trocaram histórias, mencionaram a respeito da devoção que ambos tinham por Shiva e ela percebeu que não seria uma má ideia casar-se com uma montanha.
Mena e Himalaya desejavam ter filhos e logo se casaram. Eles oraram para a deusa mãe Adishakti e pediram para que ela entrasse em suas vidas. Adishakti ficou tão satisfeita com a oração que resolveu nascer na Terra como filha deles. No céu Adishakti é esposa de Shiva. Quando ela viesse a Terra, reencontraria Shiva e, como sempre, se casaria com ele outra vez. O recente casal não tinha ideia de que, no futuro, a filha deles se tornaria esposa de Shiva.
Quando Mena deu à luz uma menina, ela e Himalaya ficaram muito felizes e a chamaram de Parvati. Parvati cresceu e tornou-se uma bela e independente menina, orgulho de toda a família. Quando ela tornou-se um pouco maior, seu pai a presenteou com uma mágica carruagem voadora, que poderia levá-la, de modo seguro, a qualquer lugar. Quando Parvati já era quase uma moça, o Sábio Narada visitou Himalaya. Narada podia viajar a velocidade da luz, alcançando grandes distâncias num piscar de olhos. Muito vivaz ele mantinha o cosmos inteiro sob sua constante observação. Sua visita de surpresa era conhecida e sempre trazia notícias de terras longínquas. Ele também gostava de apontar tarefas e obrigações que as pessoas não haviam realizado e as estimulava.
Com grande alegria e humildade, Himalaya deu boas-vindas ao grande sábio e, talvez, no fundo de sua alma havia um pouco de apreensão. Himalaya trouxe Parvati para ser apresentada ao sábio: “Oh! Narada poderia ler o horóscopo de minha filha?”. Narada observou, cuidadosamente, a criança e estudou seu horóscopo. Então, ele limpou a garganta: “Himalaya, sua filha possui todos os sinais sagrados em seu corpo e seu horóscopo é auspicioso. Ela somente lhe trará felicidade”. Mas…, limpando a garganta outra vez: “Vejo uma dificuldade, seu esposo será um yogue nu. Ele será livre de todos os desejos e necessidades, não terá nenhum ente familiar e sua aparência e maneiras poderão desagradar e assustar”.
Himalaya preocupado e receoso: “O que posso fazer para ajudar a minha filha? Há solução?”. Narada rapidamente finalizou a explicação: “Não se preocupe. O noivo de Parvati não será ninguém mais do que o Senhor Shiva. Você deve garantir que ela não se case com nenhum outro homem.”. Himalaya ficou confuso: “Mas Shiva encontra-se completamente na mais profunda meditação. Ele não tem interesse por mulheres ou por se casar. Como poderá minha filha conseguir sua atenção e conquistar seu coração?”. “Entendo que você não tenha a consciência da verdadeira identidade de sua filha, ela é ninguém mais do que a deusa Adishakti, a eterna esposa de Shiva.”, replicou Narada.
Himalaya passou adorar ainda mais a sua filha, por saber quem ela realmente era. Mas, ele manteve a revelação de Narada consigo. Anos mais tarde, Mena disse a Himalaya: “É hora de encontrar um marido para nossa filha”, pois ela havia se tornado numa amável e jovem mulher. Circunspeto, Himalaya voltou-se para Mena: “Minha querida, você deve ensinar a ela como orar a Shiva, pois é com ele que ela se casará.”. Os olhos de Mena encheram-se de lágrimas. Ela sabia que ser devota de Shiva não era uma fácil tarefa. Ninguém havia amado Shiva mais do que ela, e em todos esses anos ela jamais conseguiu vê-lo. Como poderia ela deixar sua filha passar por tal desapontamento? Mas, Himalaya contou-lhe a predição de Narada, e, então, ela concordou falar com sua filha. Mena levou Parvati a um lugar distante e explicou-lhe: “Você deve fazer de tudo para agradar Shiva, pois ele será seu marido.”.
Na próxima queinzena publico a segunda da história de Shiva e Parvati. Até lá!