por Rosa Fonseca
No texto anterior (clique aqui e leia), falei sobre a possibilidade de se tentar comer bem mesmo na correria do dia a dia. Continuo essa ideia e falo agora sobre a possibilidade de se ritualizar o ato de comer, transcendendo o simples ato de dar garfadas e mastigadas. Comer pode se transformar numa atitude meditativa e relaxante. Aprenda a comer consciente e terá sempre um precioso momento de bem-estar no seu dia a dia. Bem… vamos lá…
Não sei se são as aulas de yoga. Ou a terapia para refletir mais antes de comprar. Mas ando pensando cada vez mais em comida. Não, não estou com mais apetite por causa da atividade física. Ou compensando a abstinência de shopping com guloseimas. Apenas ando mais concentrada no que como.
Ao tomar água, tento parar por uns segundos até sentir o líquido chegar ao estômago. Imagino a água nas veias, chegando às células. Crio a imagem mental delas sentindo o mesmo frescor percebido na boca. Aí vem a sensação de hidratação: como pular em uma piscina de hidratante, só que do avesso. Quem já fez yoga ou conhece a filosofia sabe quão poderoso é o exercício de concentrar-se nas atividades corporais e observar. Meio new age, sei. Mas realmente SINTO meu corpo agradecer os goles d’água fresca, os copos de suco natural, as frutas…
Ao contrário, também o sinto reclamando de outros alimentos. E nesse caso não precisa concentração. Por mais desatenta e ocupada que esteja, o corpo grita em forma de estufamento, azia, dores de cabeça e toda sorte de sintomas desagradáveis e paralisantes. Como nós, que elogiamos baixinho e xingamos aos berros…
Quem é mulher, já deve pelo menos uma vez ter comprado algo e escondido no porta-malas, nos armários, debaixo da cama, no cesto de roupa suja… Ou jurou em falso que tinha a peça há um tempão. Já fiz. Mas jurei (de verdade) não comprar nada que não tenha coragem – até orgulho – de chegar em casa e mostrar. De forma análoga, quem tem coragem de contar pra todo mundo há quanto tempo não come uma fruta? Ou quantas porções de legumes ingeriu na semana? Quanto chocolate muquifado nos cantinhos do corpo… Quantas cervejas escondidas na barriga…
A má notícia é que a estratégia não dá certo. As coisas pulam. Do armário e do culote. Ou vêm os malditos números nas contas de cartão de crédito e nos índices de triglicérides deflagrar a verdade sem vaselina. Você pode esconder dos outros, mas de você… Para fazer isso, precisa esconder-se de si próprio. Falando assim, a ideia parece estranha (se não impossível), mas é incrível como somos esquizofrênicos.
Andamos tão anestesiados, distantes de nós mesmos, máquinas de cumprir tarefas, seduzidos por vitrines, manipulados pelos outros, abduzidos pela TV. Não à toa andamos obesos, mal-nutridos, cansados e doentes. Porque o corpo responde aos estímulos. E quando não gosta, grita. Se você não dá ouvidos, ele grita mais alto. Como uma pessoa surtada.
Assim, inconscientes do nosso “eu”, como sentir o gosto da comida? Podemos mastigar autonomamente. Até digerir, embora o corpo resista. Mas para comer de verdade precisamos estar presentes. Todo mundo tem a memória de uma refeição maravilhosa – quase sempre em uma viagem ou com alguém querido. Não importa se tinha caviar ou canja. O que fez a refeição especial é o fato de que, naquele momento, o tempo parou. Simplesmente estávamos ali, e não presos no ontem ou sofrendo pelo amanhã.
Não dá para ficar horas exercitando a consciência e depois perder a lucidez sobre o que você compra ou come. Por isso, para quem tiver a vontade (e disposição) de desafiar a mente a ficar consciente, recomendo yoga e psicoterapia. Isso, se além de vontade, você tiver boa dose de coragem.
Mas comer pode ser um exercício tão simples como vital. Para comer mais consciente (portanto menos e melhor), observe os seguintes passos:
• Prepare-se: quando for comer, concentre-se no que faz. Não subestime a importância da preparação – como alongamentos antes do treino. Desligue a TV; se gostar, ponha uma música suave. Tire os sapatos apertados, afrouxe a gravata. Se puder, troque de roupa, pra fica à vontade. Ponha os óculos, solte o cabelo, tire o relógio e o que mais seu corpo precisar para se sentir confortável..
• Tenha um ritual: sei que parece antiquado, mas a prática de orar antes das refeições é tão bacana… Fora de pretensões religiosas, reconheço o valor de nos conectarmos com energias superiores. Proferir uma prece mecanicamente não é a mesma coisa; nem perca tempo. Mas, se agradecer de verdade ao Universo pelo fato de ter alimento (dado que tem tanta gente boa que não tem) e pedir que aqueles nutrientes sejam um bálsamo sagrado capaz de recompor cada parte sua, estará convidando sua parte mais sábia e consciente para jantar. E essa parte é uma nutricionista nata: não faz regimes malucos nem come demais. Não troca fruta por doces ou água por energético.
A forma do ritual não importa. Você pode apenas arrumar a mesa direcionando sua mente silenciosamente a aproveitar a refeição com toda a sua sabedoria. É singelo e eficaz.
• Mantenha-se consciente: acorde sentidos: observe os aromas, as cores. Perceba as texturas, os sabores. Mastigue devagar. Sinta o alimento chegando ao estômago. Sorria. Por dentro. E observe a saciedade chegando. Isso será mais fácil se você não estiver faminto. Ou comerá vorazmente, qualquer coisa, e só perceberá a hora de parar quando o corpo gritar. Procure não deixar chegar nesse ponto: fome desesperada é grito de desespero. Significa que você esteve ausente de si por bastante tempo… Sugiro ter lanches saudáveis no trabalho, carro, bolsa e geladeira e procurar se alimentar ao longo do dia. Se só “acordar” com cheiro inebriante de pizza, tente amansar a fera interior com a suavidade que você merece. Seu corpo agradecerá. Sua alma também.
Se tiver vontade de comer uma lasanha aos quatros queijos, por favor, não tente enganar-se com uma ridícula lasanha de microondas. Compre o melhor queijo que puder e prepare ou vá ao restaurante que tem a melhor lasanha que conhece. Se jogue. Mas se jogue amorosamente. Se fizer isso, não vai ter vontade de comer macarrão de novo no dia seguinte. O corpo é sábio e a lembrança dessa refeição deliciosa saciará o coração por semanas. Se tentar enganar o corpo, ele continuará cobrando a dívida como credor astuto e implacável.
É claro que não falo aqui como nutricionista. E não falo como chef. Mas como alguém tão sufocado pelas pressões cotidianas como você. Humildemente, antes de querer dar qualquer fórmula mágica ou científica (ainda não inventaram a pílula da saúde ou da paz), acho útil e amoroso dividir com você, caríssimo leitor, um pequeno aprendizado no sentido de manter o eixo (ou voltar a ele o mais rápido e com a maior frequência possível). A vida e a comida só valem a pena se estivermos acordados. Despertemos.