por Danilo Baltieri
Depoimento de um leitor
“Gostaria de tirar uma dúvida, veja se você pode me ajudar. Os sintomas psicóticos, como ouvir coisas, alucinações visuais etc também são sintomas durante a abstinência da droga, no caso a cocaína? Meu irmão é ex-usuário de cocaína (5 meses de abstinência) e está em um tratamento de diagnostico de esquizofrenia. No entanto, li alguns estudos de abstinência da droga o qual relata os mesmo sintomas. Hoje ele faz o tratamento com Olanzapina 10 mg. Minha duvida é: o tratamento para ambos os diagnósticos é o mesmo? O diagnóstico errado pode causar algum dano? Desde já, agradeço.
Resposta: É importante iniciar esta resposta enfatizando que existem diferentes tipos de Transtornos Psiquiátricos designados como propriamente Psicóticos (como é o caso da Esquizofrenia) e também existem alguns outros transtornos psiquiátricos ditos não propriamente psicóticos mas que podem cursar, em algum momento do quadro, com sintomas ditos psicóticos (e tais sintomas psicóticos podem ser, por exemplo, alucinações e delírios, dentre vários outros).
A Esquizofrenia é um dos principais Transtornos propriamente Psicóticos que demanda tratamento especializado, intensivo e, geralmente, interdisciplinar.
Em relação à Esquizofrenia e ao consumo de substâncias psicoativas, existem dados que sugerem as seguintes assertivas:
a) Alguns prévios estudos apontam que cerca de 20% ou mais dos portadores de Esquizofrenia fazem uso de cocaína;
b) Parece não existir alguma substância psicoativa de escolha por essa população, sendo a disponibilidade e o acesso os principais fatores associados com o consumo, tanto que alguns estudos apontam que a prevalência do abuso de substâncias psicoativas em geral entre portadores de Esquizofrenia ultrapassa a cifra dos 50%;
c) A alta prevalência do uso de cocaína entre portadores de Esquizofrenia é por demais preocupante, tendo em vista os efeitos debilitantes da droga tanto sobre os sintomas agudos da doença quanto sobre a manutenção e a desejada estabilização do quadro;
d) Portadores de Transtornos propriamente Psicóticos e usuários de substâncias psicoativas, como a cocaína, são mais vulneráveis a apresentar comportamentos violentos, morar na rua, tornar-se vítimas de comportamentos violentos de terceiros, ter sério comprometimento financeiro e alimentar-se inadequadamente;
e) Ambos Esquizofrenia e problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas são condições crônicas que demandam tratamento bastante prolongado, bem como adesão adequada e participação ativa de familiares disponíveis e interessados.
É importante notar, aqui, que o próprio consumo da cocaína pode, por si só, induzir sintomas ditos psicóticos, às vezes muito semelhantes à Esquizofrenia. Estados paranoides não são incomuns, mas, geralmente, o curso e a linha do pensamento do portador ou usuário permanecem intactos. Tais estados ditos psicóticos e induzidos, geralmente, duram poucos dias ou semanas; no entanto, podem prolongar-se por meses (geralmente, até 6 meses no máximo).
Fatores de risco para essa indução de sintomas psicóticos entre os usuários de cocaína têm sido reportados, tais como o início precoce do consumo (antes dos 20 anos de idade o risco é maior), bem como a quantidade da substância usada (quanto maior a quantidade e/ou a pureza da substância, o risco tende a ser maior).
Ultrapassando esses seis meses, a hipótese diagnóstica de sintomas psicóticos induzidos pelo consumo de cocaína deve ser imediatamente revista, desde que e obviamente, o portador do quadro não mais esteja usando a dita droga. Para confirmar essa abstinência do consumo da droga, exames toxicológicos durante todo o seguimento são recomendados fortemente.
Síndrome de abstinência de cocaína
Na chamada síndrome de abstinência de cocaína, como você mencionou na sua pergunta, muitos portadores reportam estados de humor inquieto, ansiedade, tristeza, sintomas depressivos, bem como falta de sensação de prazer (anedonia). Esta referida anedonia pode persistir por semanas ou meses, e causar prejuízos imensuráveis, uma vez que o desinteresse por atividades escolares, laborais, familiares praticamente domina o universo do portador. Outrossim, problemas neurocognitivos e outros psiquiátricos, tais como prejuízos da memória, capacidade de concentração, e, mais dificilmente, sintomas psicóticos podem fazer parte de um quadro da síndrome de abstinência de cocaína.
O tratamento farmacológico que contemple ambos os problemas tem sido estudado por alguns autores. A Olanzapina, que você cita no corpo da sua pergunta, tem mostrado resultados mistos, isto é, essa medicação poderia diminuir ligeiramente a fissura pela cocaína, poderia não ter qualquer efeito sobre a fissura pela cocaína, ou, até mesmo, poderia aumentar a fissura pela cocaína.
Esses resultados mistos dos estudos devem-se, possivelmente, à heterogeneidade da população que padece tanto de Esquizofrenia quanto de problemas relacionados ao uso da cocaína, o chamado diagnóstico dual.
Dessa forma, todo tratamento deve ser individualizado e propostas tipológicas aventadas e perseguidas.
Existem outras medicações antipsicóticas que têm também sido estudadas e demonstrado efeitos mistos ou supostamente superiores à Olanzapina. Contudo, e novamente, estamos diante de uma população heterogênea e toda avaliação clínica deve ser feita ao vivo e a cores, a fim de que o médico especialista possa realizar o diagnóstico clínico e tipológico correto, e, por fim, propor a melhor estratégia terapêutica. Dessa forma, no que concerne ao tratamento ora instalado, você deve discutir com o médico do seu irmão de forma aberta e clara. Seguramente, o profissional da saúde especializado estará disponível para dirimir suas dúvidas.
Veja bem: comumente, a Esquizofrenia é um quadro que demanda adesão bastante estreita ao tratamento farmacológico e psicossocial; da mesma forma, os problemas com o uso de substâncias também demandam importante adesão. São dois problemas preocupantes e quaisquer falhas na adesão podem ser desastrosas.
Boa sorte!
Abaixo, forneço referência de uma interessante literatura a respeito deste tema:
Sabione P, Ramos CR, Galduróz JCF. (2013). The Effectiveness of Treatments for Cocaine Dependence in Schizophrenic Patients: A Systematic Review. Current Neuropharmacology, 11(5), 484-490.
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.