por Anette Lewin
Depoimento de uma leitora:
"Faço terapia há 6 meses. Quando vi meu terapeuta pela primeira vez não gostei muito do jeito dele e não dei crédito algum ao tratamento. Mas depois fui sentindo grande empatia por ele e hoje me sinto muito atraída tanto fisicamente quanto pelo jeito dele me tratar. Sinto vontade de me aproximar mais dele no sentido físico, já até o abracei e foi bom demais. Ele fixa seu olhar no meu e ficamos assim por vários minutos sem falar nada, chega a me gelar o estômago. Mando várias mensagens para ele quando estou muito irritada e ele responde algumas. Às vezes ele me liga depois de uma mensagem para saber como estou. Acho que estou apaixonada por ele e não sei o que faço. É errado nos abraçarmos? Será que devo deixar a terapia por conta do meu sentimento?"
Resposta: É bastante comum uma paciente sentir-se atraída por seu terapeuta. Afinal,o terapeuta é uma pessoa que a escuta, tenta traduzir seus sentimentos, ajuda-a a conhecer-se melhor, enfim, alguém que lhe dá atenção, informação e, consequentemente, segurança.
Existe uma linha de terapia, a psicanálise, que tem inclusive um nome para esse fenômeno: "transferência". De uma forma simplificada, significa que o paciente transfere para o terapeuta sentimentos que tinha por pessoas do seu passado, em geral pai e mãe. Esses sentimentos podem ser de amor ou de ódio.
No seu caso, sob a ótica psicanalitica, você estaria vendo em seu terapeuta um ser idealizado, talvez uma projeção da sua figura paterna, e sentindo paixão por ele.
Bem, você dirá, mas existe um terapeuta real, alguém que me trata bem no presente, que eu admiro e me sinto atraída. É verdade. A pessoa de seu terapeuta é real, mas você o conhece pouco. Em geral, nas sessões de terapia quem se expõe é o paciente, não o terapeuta. Assim, o lado de seu terapeuta que você conhece é seu lado profissional. Todo o resto faz parte de qualidades e virtudes que você vê nele, mas são projeções de seus próprios sentimentos idealizados.
"Mas a gente pode se apaixonar por quem não conhece tão bem, aliás, a paixão é um sentimento que pressupõe um certo desconhecimento do outro", você dirá. Sim, é verdade. Projetar qualidades em alguém que não se conhece tão bem acontece a todo momento, não é uma exclusividade da relação terapêutica. Só que quando alguém procura um profissional para fazer uma terapia, está tentando buscar um autoconhecimento maior para fazer escolhas melhores. O terapeuta é quem ajuda nesse processo. Apaixonar-se por ele, fatalmente, inviabilizará todo o trabalho, pois é necessário um certo distanciamento e muita objetividade para que o profissional possa captar o interior de seu paciente.
Você pergunta: é errado nos abraçarmos? Será que devo deixar a terapia por conta dos meus sentimentos?
Bem, depende do que você pretende daqui para diante. Um abraço é algo comum na nossa cultura, nada de errado expressar afeto através dele. Agora, se você quer continuar fazendo terapia, o mais sensato seria você falar de seus sentimentos para o seu terapeuta, dividir com ele o que sente por ele, para que esses sentimentos possam ser trabalhados e ajudem você a entender melhor como é seu funcionamento emocional interno, como é o sentimento de paixão para você, enfim, para que seu terapeuta possa "devolver" sob a forma de interpretação o que você está projetando nele.
"Mas esse sentimento é bom, se eu falar posso estragar tudo" ou " tenho vergonha de falar isso para ele" talvez você diga. Bem, aí a opção é sua. Lembre-se que em terapia não devem existir vergonhas ou inibições. Você está ali para falar abertamente de todos seus sentimentos. Esses sentimentos são o material que seu terapeuta tem para trabalhar. Quanto ao medo de estragar o clima… bem, pense se você quer realmente substituir a terapia por uma tentativa de seduzir seu terapeuta através de olhares e silêncios. Se quiser, você pode. Afinal, muitas vezes relacionamentos começam de uma forma e evoluem para outra. Existem casos de pacientes e terapeutas que se apaixonaram, terminaram a terapia e foram viver essa paixão. Mas não é o que acontece na maioria dos casos. Assim, se para você, transformar seu terapeuta em seu "namorado" é seu desejo atual, nada a impede de tentar. Mas nesse caso tem que estar preparada para ouvir um não por parte dele. É o que mais provavelmente acontecerá sendo ele um profissional sério e ético.
Finalmente, pergunte-se por que procurou uma terapia e se acredita que seus objetivos já tenham sido alcançados através dela. Quando uma pessoa resolve fazer terapia, em geral, está se sentindo insegura com relação a alguns aspectos de sua vida e precisa de alguém que a ajude a entender essas inseguranças para poder enfrentá-las. Se esse é o seu caso, tente trabalhar junto com seu terapeuta meios de lidar com seus desafios, suas frustrações, suas dúvidas, enfim, meios de se conhecer mais a fundo.
Tente focar no trabalho terapêutico para adquirir maturidade e fazer suas escolhas de modo consciente. Talvez seja uma atitude melhor do que querer ter seu terapeuta ligado amorosamente a você como um eterno pronto-socorro para suas angústias. Em outras palavras, tente conquistar sua autonomia primeiro para depois escolher quem realmente serve para ser seu par.
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um psicólogo e não se caracteriza como sendo um atendimento.