por Joel Rennó Jr.
Sem querer, jamais, fazer quaisquer tipos de pré-julgamentos ou interpretações psicanalíticas, digo apenas que na minha vida profissional já presenciei e me deparo com situações humanas complexas e aparentemente absurdas ou consideradas impossíveis.
Relações afetivas entre pais e filhos, enteados e padrastos ou madrastas, entre ex-mulheres e esposas atuais e mesmo entre pessoas separadas – mas que ainda mantêm vínculos por conta de filhos ou até assuntos materiais em comum – podem vir permeadas de muito ódio, frustação, inconformismo e inveja, concretos ou não. Há amplo envolvimento de emoções de diversas ordens: positivas ou negativas, comparações, projeções com sentimento ou percepção de invasão ou mesmo anulação da própria individualidade. Muitos têm tais pontos cegos sem que o outro possa, em contrapartida, sequer imaginar tal destrutividade alheia em âmbito familiar.
Conheço pessoas que vivem, literalmente, infernizando a vida alheia. Isso ocorre por por traços de personalidade patológicos, insegurança, baixa autoestima e até mesmo por maldade. Sim, nem sempre precisa haver uma doença mental para se cometer desatinos violentos e inintelegíveis para a maioria das pessoas. Seres humanos que negam seus próprios instintos, inclusive os agressivos, reprimindo-os o tempo todo, podem, dependendo da situação, terem verdadeiras dissociações ou curto – circuitos cerebrais – ou mesmo, consciente e friamente serem manipuladores e dissimulados. No fundo, profissionais ou não, temos que ter a humildade para admitirmos que nunca conhecemos com profundidade a natureza humana, mesmo daquelas pessoas mais próximas a nós.
Cheguei a ler artigos de importantes colunistas que acharam impossível que algum pai ou mãe pudesse ser capaz de cometer uma atrocidade contra um anjinho puro. Argumentaram, até por aquela cena deles no filme do supermercado, que tal fato nunca ocorreria em uma família tranqüila como a aparência das ações demonstrava. Tudo é muito frágil, não é possível basear-se por cenas de momentos anteriores ao crime. Sem dúvida, há algum aspecto motivacional oculto. Investigações policiais atuais apontam para a possibilidade da madrasta ter sufocado a criança e o pai tê-la auxiliado a jogar Isabella pela janela. Dados periciais parecem desvendar isso. Por mais “monstruoso” que tudo pareça, tal hipótese é perfeitamente possível, os indícios fortes apontam nesta direção.
Um dos fatores que nos deixam perplexos como pais e seres humanos é que nessas horas fazemos, conscientemente ou não, um grande questionamento sobre a índole ou caráter das pessoas e de nós mesmos. Isso, sem dúvida, nos assusta. Por isso, acredito que todos devamos sempre “tocar o dedo na ferida psicológica”, sem negações, “máscaras” ou dissimulações impertinentes. Um exemplo bem mais simples, que também serve para ilustrar a resistência das pessoas, refere-se às múltiplas ironias e calúnias que muitos dos meus pacientes ouvem quando dizem que procuram psiquiatras. Estes, na minha prática de 15 anos de profissão, são os verdadeiros saudáveis e normais, não os que rechaçam até com vigor, qualquer tipo de ajuda neste campo.
Casos de violência (física, moral, sexual) contra crianças são muito comuns em todos os níveis sócioculturais e econômicos. Infelizmente e para nossa grande dor, na grande parte das vezes, tal violência costuma ser cometida por membros da própria família ou próximos. As estatísticas sérias comprovam isso. Honestamente, nada mais me surpreende.
Neste caso o que a sociedade obviamente quer, é justiça, sem execrações precipitadas. As autoridades policiais têm feito um excelente trabalho neste sentido, em um caso supercomplexo, com múltiplas variáveis em jogo.