por Patricia Gebrim
Todo ano, querendo ou não, a gente acaba se dando conta da passagem do tempo. Seja pelas épocas em que tradicionalmente somos obrigados a perceber isso, tamanha a quantidade de fogos de artifício, confetes e serpentinas; seja porque num dia qualquer do ano alguém surgiu na nossa frente com um bolo cheio de velas acesas com um monte de gente ao redor cantando "parabéns pra você".
Em momentos assim, o tempo escoando como areia por entre nossos dedos, impossível deixar de pensar sobre o que estamos fazendo com nossas vidas.
Acabei de passar por um momento desses, e lá no meio da cascata de areia do tempo, me veio a ideia de que só podemos ser felizes de verdade se formos capazes de transgredir. Lembrei-me da maravilhosa peça de teatro, a Alma Imoral, baseada no livro de mesmo título, do Nilton Bonder. Enquanto formos marionetes conduzidos pelos cordões da sociedade e da cultura na qual nascemos, como poderemos ser felizes?
Como você poderia ser feliz, se nem mesmo consegue existir, na ânsia de corresponder às expectativas de outro alguém? É como se apesar de andar por aí, pagar contas e dirigir automóveis; ainda não tivesse nascido de verdade .
Esta semana uma amiga querida sugeriu que eu assistisse a uma maravilhosa palestra de Prem Rawat (obrigada!), na qual ele discorria sobre a diferença entre a borboleta e uma pipa. Ambas voam, disse ele, mas a pipa cai se largarmos o fio que a conduz, enquanto que a borboleta tem a capacidade de flutuar sobre montanhas e campos floridos. Assim, quando baseamos nossa felicidade nas premissas de nossa sociedade e cultura, acabamos acreditando que somos como a pipa, aparentemente fluida no ar, mas que cai assim que seu cordão por algum motivo seja cortado. Essa crença faz com que nossas conquistas passem a ter prazo de validade… até a próxima exigência, ou até que sejamos incapazes de corresponder ao esperado.
Não é fácil. Hoje em dia são tantas as amarras… parece que o mundo ao nosso redor nos diz o tempo todo quem devemos ou não ser, nos diz para onde ir, quando e como. Nos define, nos limita, nos amarra. Você precisa fazer isso, fazer aquilo, case-se, tenha filhos, pese tantos quilos, estique os cabelos, sorria, seja compreensiva, faça, faça, faça… O fio vai nos enrolando como aquela serpente que esmaga as vítimas antes de devorá-las.
Eu não quero ser pipa… Quero ser borboleta e escolher a leveza com que alçarei meu corpo ao ar, sem fios que me conduzam ou limitem minha colorida liberdade. Eu quero a liberdade de voar minha própria vida, mesmo que não seja exatamente o que planejaram para mim. Não quero sofrer por não ter cumprido as exigências dessa vida cheia de fios. Preciso de cerol para cortar as amarras. Aquela mistura de cola e vidro que liberta as pipas de seu fio aprisionador.
Porque livres – e esse é um segredo que lhes conto e que pode mudar tudo – livres dos fios… "todos somos borboletas".
É mentira isso que nos fazem acreditar… que só podemos voar, se conduzidos pelas regras ditadas por outro alguém.
Nunca fomos pipas, amorfas e sem vida. É verdade que alguns de nós sucumbimos e nos tornamos borboletas aprisionadas, mas basta cortar o fio e nossa alma nos eleva para além dos certos e errados, para cima, em meio à brisa que vem do oceano trazendo notícias de navegantes errantes e da descoberta de novas terras. E ao ouvir a voz da brisa, nossa vida se torna uma doce aventura.
Precisamos urgentemente cortar o fio que aprisiona.
Mas do que é feito o cerol que liberta almas? Não de cola e vidro… com certeza! É feito de sabedoria, de consciência, de autoconhecimento, de uma boa dose de ousadia e coragem. É feito de coisas que fogem do tradicional e tomam rumo próprio. É feito de curiosidade para explorar o novo e é feito, principalmente, de alegria. Nada se faz sem alegria. A alegria nos faz voar, como na estória de Peter Pan. A alegria é o pó de pir-lim-pim-pim.
Se misturarmos isso tudo e arriscarmos nos atritar, a ir de encontro a esses falsos valores que tentam nos fazer engolir, sairemos vencedores, e juntos nos tornaremos notícia da primeira página dos jornais como a mais bela revoada de borboletas a cruzar os céus numa linda tarde como a de hoje.