por Valéria Meirelles
Esta é minha estreia aqui no Vya Estelar, com a nova coluna que, não por acaso, chama-se Mulher Atual. Atuais são todas as mulheres que saíram do padrão de comportamento tido como tradicional – aquele da dependência financeira, social e afetiva. São as mulheres que fizeram de seus trabalhos e de suas carreiras, não apenas um meio de sustento próprio e familiar, mas principalmente, um instrumento na construção de sua identidade, estejam elas sozinhas ou acompanhadas.
É sobre essas mulheres, corajosas, inventoras de si mesmas, ora confusas, ora reféns de alguns valores tradicionais, que pretendo escrever. Vou começar por um assunto espinhoso, que fere grande número de mulheres: o assédio sexual no trabalho.
No dicionário Aurélio, assédio sexual significa "insistência inoportuna, junto de alguém, com perguntas, propostas, pretensões, etc". Na legislação brasileira, a Lei nº.10.224 de 15 de maio de 2001, considera crime o assédio sexual e o Código Penal, artigo 216-A o define como: "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos".
Os Estados Unidos, país onde o assédio sexual atingiu dimensões presidenciais, reconheceu-o como delito em 1977, e a Europa, em 1991, pela comissão das Comunidades Européias, com diferentes disposições jurídicas, específicas em cada país. A Organização Internacional do Trabalho também se preocupou com a questão do assédio sexual no ambiente de trabalho e produziu um documento que atesta sua gravidade.
O mais importante disso tudo é que o silêncio foi rompido e o assédio sexual ganhou visibilidade, sendo encarado como um problema social – já que se trata de violência, decorrente do abuso de autoridade nas relações de trabalho, e de um verdadeiro atentado à mulher, à sua liberdade e integridade. O assédio envolve relação de poder, sujeição da vítima, ofensa à sua dignidade e, por fim, afetação da liberdade sexual.
O filósofo francês Gilles Lipovetsky resume bem a questão: "A partir do momento em que a identidade profissional das mulheres adquiriu uma ampla legitimidade social, as agressões sociais no local de trabalho parecem intoleráveis porque atentam não apenas contra a dignidade pessoal, mas também contra a igualdade e a dignidade profissional das mulheres".
E no Brasil, o que caracteriza o assédio sexual?
O assédio sexual, segundo a lei brasileira, só existe nas relações de trabalho. Os comportamentos mais comuns envolvem coerção (intimidação e chantagem) em troca de "favores" sexuais, seja de forma declarada ou não, em gestos, insinuações, sempre partindo de um superior ou de algum colega que tenha mais poder. Por não haver reciprocidade, a pressão em torno da assediada é muito grande e normalmente está em jogo seu emprego ou cargo – daí o medo de ser demitida, sofrer desqualificações morais, ou de ser punida com uma transferência indesejada, com excesso de trabalho, perda de direitos e funções – ocorrendo como conseqüência, a violência psíquica.
Quais são os efeitos do assédio?
Os efeitos psicológicos do assédio levam a vários tipos de sofrimento: ansiedade, insegurança, irritabilidade, pânico, depressão, falta de motivação, angústia, além de sintomas somáticos como insônia, perda de memória, tremores, problemas alimentares, dificuldades para respirar, asma, bronquites, dermatites e etc. Há também um comprometimento das relações de trabalho – o ambiente se torna inibidor e ameaçador – o que culmina na queda da produtividade.
Além de tudo isso, existe o fantasma da culpa que pune ainda mais a mulher assediada. Sempre haverá alguém questionando se a mulher não se excedeu em algum momento, seja em gentilezas, em posturas ou até vestimentas, para que tenha sofrido assédio. Infelizmente, a conduta feminina não está livre de julgamentos morais, que apenas distorcem a percepção de situações sérias.
O que deve fazer a mulher assediada?
Em primeiro lugar, ela precisa de muita coragem, pois terá que dizer não ao assediador e, a partir daí, juntar provas para denunciá-lo à chefia superior e ao sindicato da categoria. A assediada também deverá apresentar queixa na Delegacia de Defesa da Mulher e contar com o apoio de um advogado. Buscar tratamento na psicoterapia também vai ajudá-la a resgatar e fortalecer a auto-estima.
É uma situação extremamente delicada e constrangedora, que poucas mulheres levam até o fim. Muitas preferem sair do emprego para evitar maiores problemas, principalmente a superexposição. Mesmo assim, os processos de assédio vêm ganhando representatividade com precedentes favoráveis, ainda que não existam estatísticas a respeito.
É possível previnir o assédio?
Para aquelas mulheres que felizmente não passaram por tal constrangimento, há maneiras de preveni-lo. Uma delas é evitar brincadeiras machistas e sexistas, deixando claro o respeito que têm por si mesmas e pelos colegas. A maneira como se vestem também faz a diferença – é preferível deixar os decotes (generosos) e os excessos para festas e lazer.
As empresas também devem fazer sua parte: adotar políticas contra o assédio sexual e criar meios de formalizar reclamações, assegurando tranqüilidade para a trabalhadora exercer sua atividade. Caso contrário, ela pode ser considerada "responsável solidária" pelo delito, afinal, combater o assédio é uma exigência prevista em lei, que passa pela responsabilidade social.
Denunciar o assédio sexual no trabalho é muito importante. É preciso parar de considerá-lo tabu e enxergá-lo como uma terrível violência contra a mulher. Não se deve sofrer sozinha – existem leis e recursos a favor das vítimas. Esse é mais um dos problemas a serem enfrentados pelas mulheres no curso da construção de sua autonomia e identidade.