por Monica Aiub
“… algumas dessas pessoas consideram muito trabalhoso, cansativo e, às vezes, até desagradável, encontrar o outro presencialmente”
Observo, no consultório de filosofia clínica, algumas questões recorrentes. Uma, que tem se destacado ultimamente, é o fato de um número significativo de pessoas sentir-se só, desejar o convívio, queixar-se de não haver espaço nem tempo para conviver com outras pessoas, mas ao mesmo tempo evitar o convívio social, isolar-se em sua casa, muitas vezes em seu quarto, restringindo cada vez mais as possibilidades de encontro.
Ao mesmo tempo, ainda, algumas dessas pessoas encontram-se praticamente o dia inteiro conectadas a muitas outras pessoas em seus computadores e celulares, mas sentem-se solitárias, carentes de convívio presencial, desejando, simultaneamente, jamais encontrar as pessoas com quem se comunicam. Algumas dessas pessoas têm dificuldade, inclusive, de sair de suas casas para ir ao consultório, propõem a clínica virtual: “Pode ser por skype, por e-mail ou por telefone?”, perguntam.
É certo que enfrentar o trânsito, deslocando-se pela cidade, pode ser muito perturbador. É certo também que cada vez mais temos acesso a quase tudo o que necessitamos sem ter que sair de nossas casas. Mas, além disso, algumas dessas pessoas consideram muito trabalhoso, cansativo e, às vezes, até desagradável, encontrar o outro presencialmente.
Vejamos algumas falas: “Eu amo os meus amigos, mas para mim basta vê-los no face“; “Eu convivo o tempo inteiro com eles no WhatsApp, não vou atravessar a cidade pra encontrá-los nessa festa”; “Eu gosto de falar com meu namorado no WhatsApp, é muito legal, falo com ele e com muitos outros amigos ao mesmo tempo, mas ele insiste em vir em casa, e isso é muito cansativo. Você acredita que ele quer vir três vezes por semana? Eu amo ele, mas tenho muitas coisas pra fazer durante a semana. Se ele vem, eu não posso conversar com meus amigos porque ele quer atenção”; “Fiquei muito triste no meu aniversário porque ninguém ligou. Todo mundo mandou parabéns pelo facebook”; “Agora ninguém liga mais, meu telefone não toca, ninguém quer vir em casa, nem me receber. É tudo pelo WhatsApp, mas não é a mesma coisa, não é como falar, olhar nos olhos, sentir como a pessoa está”.
E você leitor(a), vê-se em alguma dessas falas? Como andam suas relações com seus amigos e familiares? Como tem sido seu convívio com as pessoas que ama?
Em nossas conversas sobre o pós-humano (ver artigo anterior), um ponto interessante é a relação através de interfaces. É a mesma coisa comunicar-se presencialmente ou através da tela do computador ou do celular? O veículo utilizado para a comunicação faz alguma diferença?
Quando estamos num mesmo ambiente, presencialmente, há muitos elementos que podem ser observados, e que dizem respeito ao contexto no qual a conversa se dá. Por mais que através da tela de um computador o outro possa ser ouvido e visto, ainda não podemos sentir toques, temperaturas, odores, sabores, perceber movimentos sutis ou compreender uma expressão derivada de uma reação a algo ocorrido no entorno. Não podemos também perceber a presença do outro, nem estabelecer uma relação dialógica, pois o aparato tecnológico é, pelo menos ainda, muito limitado.
Talvez possamos desenvolver tecnologias capazes de replicar tais sensações, percepções, e talvez até a presença, mas antes precisaríamos compreender o que isto significa. Para Martin Buber, por exemplo, somos seres de relação, e esta relação se dá no espaço do “entre”, espaço que se abre quando há uma total reciprocidade entre os que se relacionam, a total abertura e disposição ao outro caracterizará, segundo ele, a presença (Cf. BUBER, 2005).
Mas, neste caso, presença seria um termo difícil de ser explicado em termos objetivos, assim como, nestes termos, seria muito difícil explicar os motivos pelos quais uma pessoa pode se sentir entristecida por não receber felicitações por seu aniversário pessoalmente ou por telefone, mesmo as tendo recebido por facebook ou Whatsapp. Qual a diferença? Para você, um encontro presencial é diferente de um encontro virtual?
Há muitas questões envolvidas neste assunto: Por que nossos espaços públicos de convívio são cada vez mais raros? Por que nosso tempo para os encontros com o outro é cada vez mais escasso? Por que são criados, a cada dia, instrumentos que permitem um isolamento cada vez maior? E por que muitos de nós desejamos, ao mesmo tempo, o convívio e o isolamento? Estaria o convívio tornando-se um produto a ser consumido? Talvez um “caro” produto?
Referências:
AIUB, M.; BROENS, M.; GONZALEZ, M.E.Q. (Org). Filosofia da Mente, Ciência Cognitiva e o pós-humano: para onde vamos? São Paulo: FiloCzar, 2015.
BUBER, M. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2005.
TEIXEIRA, J. F. O cérebro e o robô. São Paulo: Paulus, 2015.