por Roberto Goldkorn
Há muito tempo ouvi de uma pessoa que sua mãe havia morrido de tristeza e solidão. Ela foi abandonada pelo marido, um dos filhos morreu num acidente de carro e a outra filha (que me contou essa história) casou-se com um estrangeiro e foi morar no outro lado do mundo. Na época estava na minha fase “de esquerda” e argumentei que se ela tivesse que lutar pela sobrevivência do dia a dia, como milhões de brasileiros pobres, não teria tempo nem espaço para essas sensibilidades burguesas. Como me arrependo desse infeliz julgamento.
Quase cinquenta anos depois, aprendi que a solidão em determinadas formas, pode sim ser uma doença grave e até matar. Adiante vou trazer aqui para a nossa reflexão o componente depressão que é, comprovadamente, uma doença da química do cérebro e do organismo em geral.
A solidão, quando é resultado de uma conjunção de separações e abandonos como: mortes prematuras, doenças incapacitantes, abandonos e circunstâncias externas fora do controle (guerras e tragédias naturais) pode se abater sobre um indivíduo por uma programação espiritual.
Por motivos que não cabem aqui investigar, algumas pessoas fazem um pacto com seu destino no sentido de serem “depuradas” em sua nova existência. A exemplo de grandes mestres que inspiraram religiões como Cristo e Buda, essas pessoas por razões próprias de sua história resolveram “abandonar pai e mãe” para seguir o caminho da evolução espiritual. Buda abandonou não só a família, mas todo um reino, riquezas sem fim, prazeres, poder, privilégios; largou tudo para trilhar o caminho onde a mendicância era o seu meio de vida. Jesus optou por uma vida errante, não consta que tenha tido uma casa, um jardim, esposa, filhos, cachorro etc.
Esses grandes luminares seguiram uma tradição ainda mais antiga que pregava o desapego para que se pudesse subir na escada espiritual – claro que quanto menos peso carrego, mais alto e mais leve posso subir.
Da Índia, uma civilização antiga e voltada para valores mais espirituais, vem os exemplos dos faquires, sadhus, sanyasins, os que renunciaram a vida comum, às famílias, ao trabalho e dinheiro, para assim acelerar o processo de evolução sem volta. A maioria das religiões indianas acredita que encarnamos e desencarnamos sistematicamente presos no que eles chamam de “roda do samsara”, presos ao “carma”, aos desejos, às emoções mais fortes, às paixões, às ambições, aos desejos eróticos e afetivos. Todo esse circo de conspiradores configuram o que os místicos indianos chamam de Maya – a grande ilusão, tudo é sonho, tudo é um cenário montado pela nossa mente enganadora. Para eles o único real nesse rastro de manifestações ilusórias, é a realidade espiritual.
Apego, solidão e sofrimento
Se a antiga tradição indiana está no caminho da verdade ou não, é difícil dizer. Talvez esteja um pouco certa, um pouco equivocada, quem sabe. Mas de uma coisa tenho convicção: os apegos e as emoções sequestradoras são a grande base do sofrimento humano e da doença da solidão.
Uma cliente querida perdeu o filho único já adulto, teve seu segundo casamento rompido e amarga uma solidão quase incapacitante. A dor insuportável vem da diferença entre o que a vida lhe deu e o que ela almejava da vida: uma família unida, filhos, netos, uma mesa farta e alegre, cheia de amigos noras, sobrinhos, sons, risos etc. Isso não aconteceu e nunca vai acontecer. Por motivos dela, de sua história, ela não consegue sair do estágio de negação, ou sai dele para o estágio de revolta, retorna para a negação, e novamente para a revolta e não consegue se livrar desse circuito doente e perverso. Não existe argumento que se possa usar para mudar essas emoções associadas à frustração de um projeto de vida. É um típico exemplo da “fome que se associa à vontade de comer” – o programa “destino” dela – as perdas de apoios, dos sonhos e da descendência – se junta à possível depressão, onde a mente racional não aceita qualquer tipo de alívio ou de caminho alternativo a essa “condenação”.
Como essa situação tem instâncias diferentes o ataque a ela precisa ter “remédios” diferentes.
O alimentador mórbido da situação é a depressão. Não cabe aqui ficar procurando saber se quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha, o importante é tratar. Não é possível reverter o que a vida tirou. Ponto. “O que não tem remédio remediado está.” Mas ainda tem gordura para queimar. A depressão pode e deve ser tratada; é o real móvel. E o que a vida planejou e armou? Esse é o ponto fundamental, não há o que fazer, mesmo. O grau de aceitação ou negação da realidade é que vai dar a dimensão da doença.
A vontade de tratar e aceitar ao mesmo tempo, juntando-se à adoção de uma visão espiritual, pode ser o caminho da redenção. Mas fácil não é.
Tudo tem um começo, as situações atuais que são dolorosas, a solidão que é doença, da qual até se pode morrer, teve um começo torto que quase sempre fica de fora do retrovisor. E nem precisa ser evocada porque já passou, pode ser útil como exemplo educativo, mas para quem está no olho do furacão é como enxugar gelo.
Tratar a solidão passa inexoravelmente pela aceitação do “destino”, para isso não bastam argumentos por mais bem articulados e verdadeiros que sejam. Os ajudantes químicos podem ser de inestimável ajuda, mas a cura real vai depender muito da cabeça e da história de cada um, de seu grau de evolução espiritual, e do momento da vida que a pessoa se encontra.
A solidão patológica, diferente da solidão que todos experimentam uma vez ou outra na vida, muitas vezes chega a doer tanto que se assemelha a um ataque cardíaco, segundo alguns. Combater essa doença se torna cada vez mais urgente.
Por isso, como não existe uma fórmula infalível para curar esse mal, o ideal é aprender a arte de amar desapegadamente, desmontar os modelos culturais que nos dizem que devemos amar apenas aqueles que nos estão próximos ou que são do “nosso sangue”, amar a vida, sem buscar reciprocidade. “Ame o próximo como a ti mesmo”, uma mensagem tão antiga e ao mesmo tempo ainda tão distante.