Somos ‘chipados’ e rastreados há algum tempo

por Paulo Annunziata Lopes – psicólogo do NPPI

O subtítulo abaixo da foto acima segue a pergunta feita na chamada da Globo News para o programa ‘Chipados’, que será exibido no próximo dia 05/02 às 20:30.

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O nome ‘Chipados’ faz referência a pessoas que receberam algum tipo de implante eletrônico.  Embora o programa ainda não tenha ido ao ar até a data em que escrevo este artigo, posso dizer que as pesquisas com esse tipo de implante apontam para fins diversos: identificação de seres humanos, expansão de habilidades físicas e cognitivas como a memória, entre outros.  Mas os implantes eletrônicos já são comuns há um bom tempo em algumas áreas da medicina.  Temos, por exemplo, o difundido marca-passo e se olharmos para tempos mais recentes, os implantes óticos e auditivos que, em alguns casos, significam para o paciente a recuperação de um sentido (visão, audição) perdido.

O tema causa polêmica, tanto no exterior quanto no Brasil. Em nosso país, por exemplo, na cidade de Santa Bárbara d’Oeste, no estado de São Paulo, vereadores aprovaram uma lei que proíbe a implantação de chips eletrônicos em seres humanos.  Não só esses implantes podem ser vistos como polêmicos, como o próprio texto da tal lei também o foi ao fazer clara menção ao apocalipse, citando inclusive trechos da Bíblia, segundo notícia veiculada dia 19/10/2016 no site G1.    O texto da lei, de autoria do vereador Carlos Fontes (PSD), diz, segundo o site:  “Tendo em conta que o fim dos tempos se aproxima, é preciso que as leis se antecipem aos futuros acontecimentos.  Sendo assim, urge que se proíba a implantação em seres humanos de chips ou quaisquer outros dispositivos móveis que permitam o rastreamento dos cidadãos.” (http://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2016/10/lei-sobre-chip-da-besta-em-sp-tem-que-ser-suspensa-diz-procuradoria.html)  Na data da publicação da notícia, a lei havia sido suspensa em caráter liminar pela Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo.  

Fato é que os implantes eletrônicos em seres humanos já são uma realidade e não apenas uma ideia futurista.  Convido então vocês leitores a algumas reflexões, a partir de considerações explicitadas a seguir.

Embora algum de nós possa achar curioso, que nos tempos de hoje ainda haja pessoas falando no “fim dos tempos”, como o vereador Carlos Fontes, para outros, o fim dos tempos é real e isso não se deve a crenças religiosas ou espirituais.  Basta perguntar aos cientistas, por exemplo, ligados ao estudo das mudanças climáticas.  O aumento do nível do mar já fez – tempo passado e não um futuro distante – desaparecer ilhas no Pacífico Sul (http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/05/ilhas-no-pacifico-sul-desaparecem-devido-aumento-do-nivel-do-mar.html).  Ali o fim do mundo (habitável pelo homem) já chegou.  

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Novamente cito o famigerado vereador que, em seu texto quiçá estapafúrdio, diz: “… que se proíba a implantação em seres humanos de chips ou quaisquer outros dispositivos móveis que permitam o rastreamento dos cidadãos.”

Muito bem, pergunto: já não somos rastreados?  

Há alguém que acompanha as notícias sobre política, ética e tecnologia que não saiba que somos já há muito tempo rastreados?  

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Os sites nos ofertam produtos com base em nossos hábitos de navegação na internet.  Nossas preferências são rastreadas.  Os celulares, que (ainda)  não estão implantados em nós, mas que moram colados aos nossos dedos e às nossas orelhas, estão ligados ao sistema de posicionamento global (GPS).  As companhias de telefonia celular podem nos rastrear.  Os aplicativos de relacionamento também.  O Waze também.  E a lista é longa caso prestemos atenção…

Claro que se os implantes eletrônicos se tornarem comuns, nosso modo de vida pode sim mudar radicalmente.  Não só ele, mas o modo como nos definimos.  Sugiro, para fins ilustrativos e de entretenimento, que aqueles que têm acesso ao Netflix assistam ao episódio 3 da 1ª. temporada da séria 'Black Mirror'.  O episódio se chama ‘Toda a sua história’ e apresenta um cenário possível da vida após implantes de memória.

Há também o que vou chamar aqui de um “rastreamento social”, um que oferecemos voluntariamente.  Ora, o que fazemos quando colocamos à disposição nas redes sociais nossos dados, não só os de identificação, mas a nossa imagem, os nossos gostos, hábitos, os lugares que visitamos etc, senão dar coordenadas sobre nós mesmos? Não estamos já há duas décadas oferecendo de livre e espontânea vontade uma forma de rastrearem quem somos e o que fazemos?  

Claro que nem o mais completo conjunto de informações traduz, de fato, aquilo que somos, nossas experiências e a maneira como vivemos.  Não obstante, as informações podem revelar coisas importantes sobre nós.  De maneira alguma pretendo condenar os implantes eletrônicos, os telefones celulares ou as redes sociais.  Todos são progressos importantes e já são parte fundamental do modo de vida atual.  Contudo, é importante atentar para a relação que estabelecemos com a tecnologia e para os caminhos que trilhamos ao dela fazer uso.  Podemos escolher a forma como a utilizamos e por isso revisito, para finalizar o presente texto, a pergunta inicial:

Alguém aí tem medo das escolhas que tem feito no presente?