por Dulce Magalhães
O filósofo grego Heráclito viveu aproximadamente 500 a.C. e influenciou muitos pensadores posteriores a partir de seu aforismo (máxima) Panta Rei que significa: tudo muda, tudo flui. Num mesmo rio não se pisa duas vezes, contudo, até mesmo essa afirmação pode mudar, pois no princípio dos opostos, elaborado pelo próprio Heráclito, num mesmo rio você pisa e não pisa. Assim como uma subida, num caminho, é também uma descida, dependendo da posição em que nos encontramos, tudo contém seu oposto. Na visão do filósofo nada existiria se não existisse ao mesmo tempo o seu oposto.
E é a própria doutrina dos contrários que faz de Heráclito o fundador de uma lógica "antidialética", fundada na lei estética do devir (movimento ininterrupto) da realidade. Antidialética porque tese e antítese (ser e não ser) são uma síntese contraditória e permanente na realidade, que só assim pode vir a ser, através dos seus dois aspectos existenciais (somos e não somos). De fato, ele observa que algo pode ser melhor percebido pelo seu oposto, como a saúde que se torna valiosa frente ao evento da doença.
Autodescoberta: a grande aventura!
Não temos uma clareza tangível e objetiva para tratar das coisas da vida, nossa medida é sempre a experiência dos contrapontos, podemos definir o doce porque conhecemos o amargo e podemos dizer do que gostamos ao descobrir do que não gostamos. Essa é uma pista para a grande aventura humana, a autodescoberta.
Experimentar, observar, testar, vivenciar são maneiras de perceber mais e melhor a realidade e tomar decisões que sejam melhor orientadas para os propósitos e conduzidas por valores verdadeiros e não apenas aprendidos. Assim ampliamos nossa clareza e descobrimos que somos uma contradição ambulante, pois em nós habitam comportamentos, visões e objetivos díspares. Por isso desejamos manter uma atividade física regular e, ao mesmo tempo, não queremos nenhum esforço.
Somos incoerentes por princípio organizador essencial da vida. Estão contidas em nós todas as possibilidades inerentes ao ser humano. Entretanto, Panta Rei nos mostra que tudo está em fluxo e não somos o que descobrimos sobre nós neste instante, só nos apresentamos assim, desta forma não é só nossa aparência nas fotografias que vai mudando ao longo dos anos, mas o conjunto de nossos comportamentos. Mesmo quando dizemos "essa pessoa não mudou nada", querendo afirmar que ela continua com o mesmo comportamento do passado, de fato, houve um processo cumulativo de confirmações em direção aquele comportamento que faz o indivíduo se tornar cada vez mais competente nele, seja positivo ou negativo. A mudança foi o próprio manter-se igual.
Essa contradição dos opostos presente em nós, coloca o desafio do descobrir-se contínuo e do amadurecer com a intenção correta, na direção do desejável, entendendo que o indesejável está tão presente e disponível quanto. A vantagem é que aquilo que vivemos, e que não é adequado, pode se transformar em adequado na medida do fluxo constante da realidade e, dessa forma, experimentar a mudança é algo tão natural como inspirar e preencher-se de oxigênio e expirar para esvaziar-se. Se não houvesse a natureza contraditória automática em todos nós, não seríamos capazes de abrir mão do ar retido e morreríamos por não sermos capazes de respirar nos opostos, cheio e vazio.
Tudo flui em perfeita dança, com altos e baixos constantes e são nos pontos de depressão que costumamos olhar para a vida e reclamar dos processos, temer o presente, sucumbir na tarefa contínua do seguir em frente. Ficamos prisioneiros e sofremos com nossa própria perspectiva acreditando que algo É ASSIM, quando tudo ESTÁ ASSIM e em algum outro ponto do gráfico estará diferente. Tudo passa, tudo flui. A questão é que os pontos altos são identificados só quando entramos no declínio da experiência, dando aquela sensação de que éramos felizes e não sabíamos.
Certeza: o pior vai passar
Compreender e aceitar esse fluir contínuo é o que oferece as melhores condições de gestão de problemas, desafios, dificuldades e tormentas de qualquer natureza. Tudo que estamos experimentando, por pior que seja, vai passar: a própria existência é temporária e impermanente. Esse conceito, se bem assimilado, também poderá servir de guia para não perdermos o bom instante, o momento de melhor vibração da vida. Os pais podem estar muito atarefados para observar a beleza das caretas do bebê e sentir como foi fugaz esse instante, o quando foi perdido por falta de contemplação, algo que jamais voltará, pois esse bebê ao crescer nunca mais será o mesmo de novo.
O instante é precioso demais para ser desperdiçado por nossa distração. Seja um momento que apreciamos ou algo que detestamos, tudo é parte integrante do processo global da vida, que contém opostos; é fluxo contínuo e não retorna a nenhum ponto já vivido. Panta Rei, tudo muda. Isso nos leva a outro aforismo valioso Carpe Diem, aproveite o dia.
Reflita sobre isto. Suerte!