por Luiz Alberto Py
Sonhar é uma das formas mais fascinantes de colocar a mente em funcionamento. Tanto se pode sonhar dormindo, como acordado – o que se costuma chamar de devaneio. A atividade de sonhar é, geralmente, extremamente criativa, pois facilita às pessoas o uso da imaginação. Diversos cientistas já contaram que solucionaram difíceis problemas profissionais através de devaneios durante o dia ou de sonhos noturnos – dormindo, encontraram soluções criativas para dificuldades que não estavam conseguindo resolver.
O episódio mais conhecido é o relato do químico alemão Kekulé (Friedrich August Kekulé von Stradonitz – 1829-1896.) Kekulé era um pesquisador de química orgânica. Durante muito tempo ele e outros colegas lutaram para compreender a combinação dos seis átomos de carbono com os seis átomos de hidrogênio que, já se sabia, formam a molécula do benzeno.
Contou ele que certo dia, durante um cochilo em seu laboratório, teve um estranho sonho – via uma cobra mordendo a própria cauda. Logo associou a forma oval dessa visão com a possível ordenação de átomos que investigava. E assim imediatamente articulou a fórmula espacial do benzeno. Esta descoberta abriu um vasto campo para a produção de novas substâncias. Uma grande parte da indústria farmacêutica se originou de derivados do benzeno.
Existem dois tipos de sonhadores. Algumas pessoas se limitam a sonhar, sem se darem uma oportunidade de transformar seus sonhos em realidade. São os que usam o sonho como um substituto da realidade. Tiram prazer de suas criações imaginárias e se sentem recompensados em fantasiar situações que poderiam lhes dar prazer e satisfação caso se tornassem realidade. A satisfação que conseguem através da imaginação lhes é suficiente e eles substituem a realização pelo sonho. É uma espécie de relação masturbatória com o sonho, um prazer sem produtividade, um construção falsa que ocupa o lugar de uma verdadeira.
Uma tocante narrativa de tal situação levada ao extremo foi elaborada pelo cineasta japonês Akira Kurosawa (1910-1998) em seu filme Dodeskaden. Entre outras histórias, passadas em um subúrbio pobre de Tóquio, ele conta de um mendigo que vivia com seu filho. Enquanto o garoto procurava ganhar algum dinheiro, o pai se limitava a sonhar com a casa em que um dia iriam morar. Durante o filme a visão da casa descrita pelo pai para seu filho vai se ampliando, se aprimorando e embelezando cada vez mais. Enquanto isso o filho adoece e, no frio do inverno de Tóquio, acaba por contrair uma pneumonia. Na última cena do filme se vê o pai com a criança morta no colo, morte esta que ele nega, enquanto continua a delinear os últimos aperfeiçoamentos da casa imaginária. Aos pouco, na medida em que o filho não reage, ele se desespera e com mais e mais intensidade descreve a casa que não existe e que jamais irão habitar, na ilusão de ressuscitar a criança com sua narrativa.
É uma evolução positiva conseguir fazer parte do outro tipo de sonhador, que são as pessoas que utilizam o sonho como um prelúdio à ação. Para estes, sonhar é o ponto de partida para uma vida plena e criativa. Vale a pena lembrar que todas as realizações humanas, sem exceção, começaram por um sonho. Devemos ter o compromisso de zelar por nossos sonhos e buscar, com toda a energia, transformá-los em realidade.
A grande vocação de todos nós possivelmente consiste em tornar real um sonho.