Sou viciada em cocaína, mas quero ser mãe

“Sou viciada em cocaína, mas tenho o sonho de ser mãe. Como devo agir neste caso? Estou sofrendo muito, o conflito é enorme. Se puder me ajudar… ficarei muito grata.”

Resposta: Você pode realizar seu sonho de ser mãe. No entanto, insisto que você esteja sob tratamento especializado e, antes de engravidar, esteja completamente abstinente da substância e permaneça assim, abstinente, durante toda a gestação, aleitamento materno e durante o resto da sua vida.

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Consequências do consumo de cocaína na gravidez

Caso você mantenha o consumo da cocaína durante a gestação, prejuízos para o seu filho, bem como para você, poderão ocorrer. A cocaína usada durante a gravidez pode fazer com que os vasos sanguíneos que transportam sangue para o útero e placenta estreitem-se ou contraiam-se. Dessa forma, menos oxigênio e menos nutrientes chegam ao feto. Se as mulheres grávidas usarem cocaína, as seguintes consequências podem ser possíveis:

a) Abortamento espontâneo
b) Crescimento inadequado do feto
c) Descolamento prematuro da placenta
d) Nascimento prematuro
e) Natimorto
f) Defeitos congênitos (incluindo cérebro e medula espinhal, trato urinário e defeitos ósseos)
g) Síndrome da Morte Súbita Infantil
h) Problemas cognitivos permanentes

Além disso, alguns bebês nascidos de mães que abusaram de ambas as substâncias álcool e cocaína, por exemplo, podem desenvolver problemas de saúde adicionais, como:

a) Defeitos cardíacos
: Beber álcool e tomar certos medicamentos durante a gravidez pode resultar em defeitos cardíacos, particularmente defeitos septais (um buraco no coração). A maioria dos bebês nascidos com defeitos cardíacos morre no primeiro ano de vida.

b) Infecções, incluindo hepatite C e HIV: Esses vírus são frequentemente transmitidos por pessoas que compartilham agulhas durante o uso de drogas injetáveis. Os vírus podem então ser transmitidos ao feto durante a gravidez ou no nascimento.

c) Síndrome de abstinência neonatal (NAS): Essa síndrome pode ocorrer quando um bebê nasce de uma mãe viciada em uma substância (mais comumente, opioides) e desenvolve sintomas de abstinência após o nascimento.

d) Transtornos do espectro alcoólico fetal (FASDs): Esses distúrbios estão associados a uma série de dificuldades cognitivas e de desenvolvimento e geralmente duram a vida toda.

Além disso, existem outras consequências de desenvolvimento relacionadas ao uso de substâncias pela genitora que podem se tornar problemas significativos mais tarde na vida da criança, incluindo déficits de comportamento/aprendizagem e taxas de crescimento mais lentas em algumas crianças.

De fato, o impacto do uso de substâncias para a sua saúde pessoal e as repercussões negativas do uso de drogas sobre a saúde dos seus possíveis bebês não têm sido apenas uma preocupação de saúde pública. Na verdade, nas últimas três décadas, muitos países ao redor do mundo viram o ‘uso pré-natal de substâncias’ se tornar também um problema para a justiça criminal. Por exemplo, o movimento ativista de protecionismo fetal estimulou o aumento da aplicação de sanções criminais para as chamadas mães “viciadas”. As gestantes usuárias de substâncias passaram mais veementemente a ser sujeitas à vigilância acrescida dos médicos e demais cuidadores, podendo ser denunciadas, detidas, acusadas, condenadas e/ou mesmo perder a guarda do filho em alguns países.

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Apesar de todas as críticas que cercam tais condutas jurídicas de peso, isso não deveria afastar as mulheres que desejam cessar o uso de substâncias psicoativas dos serviços especializados de tratamento. Tanto medidas educativas, medicinais, governamentais e, inclusive, aquelas associadas com punições à mãe dependente pretendem de forma inequívoca proteger os recém-nascidos e suas genitoras.

Quando mulheres descobrem que estão grávidas, muitas deixam de fazer uso de substâncias psicoativas

De qualquer forma, é verdade que, quando mulheres descobrem que estão grávidas, muitas deixam de fazer uso das substâncias psicoativas. Aproximadamente 11% das mulheres em idade reprodutiva usam substâncias ilícitas, 25% usam cigarros e 30% bebem compulsivamente ou usam grandes quantidades de álcool, conforme o Substance Abuse and Mental Health Services Administration.

Quase 50% das mulheres grávidas que fumam cigarros e 70-90% das mulheres que usam substâncias ilícitas atingem a abstinência na gravidez. Taxas semelhantes de abstinência são relatadas entre mulheres grávidas com uso pesado de álcool. No entanto, e infelizmente, esta diminuição no consumo de substâncias psicoativas relacionada à gravidez muitas vezes não se mantém após o nascimento da criança. Por exemplo, cerca de metade das mulheres que atinge a abstinência de tabaco na gravidez recai dentro de duas semanas após o parto, e 80% recaem dentro de seis meses. Em relação à cocaína, uma vez cessada, as taxas de recaída após o parto são muito menores.

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De fato, dadas as conhecidas consequências nocivas do uso da cocaína, muitas mulheres usuárias dessa droga, que almejam gerar um filho, tentam planejar a sua gravidez.

Qual o primeiro passo que uma usuária de cocaína, que deseja ser mãe, precisa dar?

Esse parece ser o seu caso e a resposta é simples: procure tratamento especializado o quanto antes para cessar definitivamente o consumo de cocaína e de outras substâncias que porventura você esteja usando. O seu estilo de vida provavelmente deverá ser modificado bem como o ambiente em que vive. Se o futuro genitor também faz uso, ele também deverá ser tratado para cessar o uso das substâncias psicoativas.

Lembre-se: as consequências para você e para o seu futuro bebê são por demais negativas! Portanto, não buscar tratamento especializado é uma ideia muito infeliz.

O seu médico avaliará o grau do seu problema relacionado com o uso de cocaína, o tempo de uso, a existência de outros problemas coexistentes, o seu estilo de vida, a sua rede de apoio e proporá a abstinência completa.

Há um tempo ideal de abstinência de cocaína para depois engravidar?

O tempo entre estar totalmente abstinente e tentar engravidar não é muito claro nos gêneros textuais médicos; entretanto, existem autores que sugerem um tempo de abstinência total de 01 a 06 meses antes da primeira tentativa real para engravidar.

Não perca tempo!!!

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.