Pensar em pessoas desalmadas andando por aí nos faz refletir sobre a forma como estamos conduzindo nossas vidas e como muitas vezes nos desconectamos tanto de nós mesmos
“Se alguém pudesse nos olhar do alto, veria que o mundo está repleto de pessoas que andam apressadas, suadas e exaustas e também veria suas almas atrasadas e perdidas no caminho por não conseguirem acompanhar seus donos”.
Assim fala uma personagem do recém-lançado livro infantil “A Alma Perdida”, escrito por Olga Takarczuk, Nobel de Literatura de 2018. A autora utiliza a palavra alma para expressar algo que nós, analistas junguianos, conhecemos como anima, ou o que dá vida, o que anima.
Ora, pensar em pessoas desalmadas andando por aí nos faz refletir sobre a forma como estamos conduzindo nossas vidas e como muitas vezes nos desconectamos tanto de nós mesmos, que é quase como se nos faltasse o ânimo, a vida “de verdade”. No conto a explicação para o desencontro é que a alma se movimenta mais devagar que o corpo. Somos corpos andando por aí, desalmados, cumprindo nossos destinos.
Estou por um fio: o que é que está acontecendo comigo?
Metáfora possível para os quadros de depressão que abundam em nossos consultórios? Não falo aqui daquelas depressões mais “óbvias”, evidentes, aquelas tão profundas que claramente precisam ser medicadas. Falo daqueles estados mais “leves”, por assim dizer, aqueles que tingem de cinza o pano de fundo de nossas vidas, retirando delas a alegria e felicidade. Falo daqueles estados em que estamos “por um fio” com a sensação de que falta algo, que não sabemos o que é e que nos falta tempo para parar e tentar compreender o que aconteceu ou, o que está acontecendo.
Estamos tão empenhados em viver de forma adequada, resolver nossos problemas, dar conta do que nos cabe, cumprir as metas traçadas e muitas vezes escolhidas de forma consciente, que não percebemos o desencontro entre nossos atos e nossos desejos mais profundos. Confundimos também as duas coisas e passamos a acreditar que nossa vida “tarefeira” é a vida real, aquela que nos representa, a digna, a verdadeira. Julgamos poder garantir a vida e com ela nosso lugar no mundo, nossa sanidade mental, enquanto nos mantivermos em um funcionamento adequado.
Como buscar a alma, como esperar que ela venha nos acompanhar?
É preciso calma, é preciso tempo, é preciso contemplação. “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Navegar, observar, ser, mergulhar em nós mesmos, abrindo espaço para o novo, para o que nos toca, o que nos ilumina. Com diz o também poeta “até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para. […] a vida é tão rara”.