por Rosemeire Zago
“Só se pode entender uma vida quando se leva a sério seu começo”
Alice Miller (Ph.D. em psicologia)
Este é o segundo artigo de uma série sobre maus-tratos à criança e ao adolescente. Para ler o primeiro texto clique aqui.
Todos sabemos que a autoestima, tão essencial em nossa vida, começa a se formar na infância, a partir de como as outras pessoas nos tratam. Quando criança, pode-se alimentar ou destruir sua autoconfiança. Ou seja, as experiências do passado exercem influência significativa quando adulto.
Só para lembrar: autoestima é ter consciência de seu valor pessoal, ou seja, acreditar, respeitar e confiar em si, é a soma da autoconfiança com o autorrespeito. É acreditar que é capaz!
Quais foram as experiências que você teve quando criança? O quanto você tem consciência de seu valor?
Quem sofreu algum tipo de abuso, psicológico, físico e/ou sexual, terá muita dificuldade em perceber seu próprio valor e a sensação de ter valor é essencial à saúde mental. Essa certeza deve ser obtida na infância. Toda criança precisa ser amada incondicionalmente, ao menos nos primeiros anos. Sem os pais como espelho de uma atitude de aceitação, a criança não tem como saber quem ela é.
O que os pais nos fazem quando criança, sentimos como se fosse o certo, como deve ser feito, não questionamos, apenas aceitamos. Quando as necessidades de uma criança são negligenciadas, recebem a mensagem que suas necessidades não são importantes e perdem a noção de seu valor pessoal.
Pais exigentes, agressivos, críticos, autoritários, que demonstram que a criança não é digna de confiança, impondo suas próprias vontades, não ouvindo o que as crianças têm a dizer, criam filhos inseguros e dependentes.
Como também, a superproteção também é uma forma de abuso infantil. Superproteção, mimos e submissão exagerados durante a infância, podem gerar muita insegurança na vida adulta, pois a criança não foi incentivada a acreditar em si mesma.
Assim, cresce, ainda que inconscientemente, acreditando que faziam tudo por ela por não ter a capacidade de fazer por si mesma. Quando adulta, irá acreditar que o mundo seria como seus pais, que jamais ouviria um “não”, tendo muita dificuldade em suportar frustrações. Essas crianças podem desenvolver um sentimento de insegurança, por não sentirem confiança em suas próprias habilidades, uma vez que os outros sempre fizeram tudo por elas. Acredita que seu valor depende de ser amado. Como não tem noção de seu próprio valor, só compreende o valor dos outros.
Alice Miller (autora de vários livros, lutadora em defesa das crianças) nos fala sobre três conceitos importantes para nossa reflexão e maior entendimento:
– Pedagogia negra: consta numa educação que visa transformar a criança em submissa e obediente por meio do poder, manipulação e repressão, ainda que velado. Crianças que foram “adestradas” a obedecer aos desejos e ordens dos adultos, passam a infância e adolescência contendo e disfarçando a raiva e depois a usam automaticamente.
– Testemunha auxiliadora: é uma pessoa que ajuda a criança maltratada ou negligenciada, ainda que de forma esporádica, oferecendo um pouco de apoio e amor. Pode ser uma vizinha, um professor, avó, tia. Graças a essa testemunha a criança começa a saber que existe amor. Você teve alguma?
– Testemunha conhecedora: na vida do adulto essa pessoa pode representar um papel semelhante ao da testemunha auxiliadora na criança. É uma pessoa que conhece as consequências da negligência e maus-tratos sofridos pelas crianças e a ajuda enfrentá-los e elaborá-los. Geralmente o psicólogo pode ajudar essas pessoas a entenderem melhor suas histórias e se libertarem.
Sem a testemunha conhecedora é impossível suportar a verdade da infância. A psicoterapia pode proporcionar o reconhecimento emocional da verdade armazenada no corpo, a libertação da lei do silêncio e da idealização dos pais.
Quando crianças, aprendemos a reprimir e negar sentimentos. Muitos aprenderam que as humilhações e surras foram para o próprio bem e não provocam dores. E com isso aprende-se também a utilizar no futuro, a violência contra os outros ou contra si mesmo.
O que podemos fazer?
Tornar consciente o que sofremos e confrontar com os conhecimentos atuais. Perceber que éramos cegos porque tínhamos que nos proteger das dores, enquanto não tínhamos uma testemunha que pudesse nos ouvir com empatia.
O adulto, não é mais impotente, e pode oferecer a criança proteção e ouvido atento, para que possa expressar a seu modo e contar a sua história. Portanto, se você sofreu algum tipo de abuso, não tenha vergonha de procurar quem o ajude a entender sua história e encontrar sua verdade.
Dicas de leitura:
Miller, Alice:
A Verdade Liberta. Ed Martins Fontes.
O Drama da Criança Bem Dotada. Summus editorial.