Superstições: será que elas funcionam?

Quem já não ouviu que determinado técnico de futebol só entra no jogo com cueca de certa cor? Ou que fulano torceu bem forte e o time ganhou?

Uma cliente, em eras pré-pandemia, me contou que comprara uma nova sandália de dedo, de borracha, daquelas de praia, bem famosas até no exterior. E, na época, a marca exibia um comercial de TV no qual duas moças na praia esfregavam o pé nas novas sandálias e, toda vez que faziam isso, rapazes cheios de charme apareciam no pedaço flertando com elas. Para espanto e deleite da minha cliente, no exato instante em que calçou seu novo par, tocou o celular. Era seu mais recente paquera a convidando para saírem. Meio que brincando, ela me disse que considerou comprar uns quinze pares novos, só para se garantir naquele verão!

Continua após publicidade

Alguém já conversou com o computador, xingando ou dizendo palavras de incentivo, de modo a fazer um download acontecer mais rapidamente? De vez em quando isto até coincide com um xingamento posto para fora e o computador, bem naquela hora, terminar o eterno download. 

Estes acima são prováveis exemplos, relativamente comuns, de comportamento supersticioso. Há também, um fenômeno similar. Conhecemos quem segue regras esdrúxulas, totalmente descabidas, como se elas estivessem especificando uma verdade absoluta.



Superstição: chinelo virado não presta e atrai a morte

Lembro-me de minha avó dizendo que não se podia deixar chinelo virado com a sola pra cima porque “não prestava”, e sugeria que isto atrairia a morte. Para a mesma avó, mulher menstruada não deveria lavar a cabeça porque, se o fizesse, o sangue subiria e a mulher poderia enlouquecer. Em retrospectiva, eu me vejo tentando argumentar com minha avó:

Continua após publicidade

Neta: – Mas, vó, ninguém sobreviveria sem sangue na cabeça, pelos vasos ele leva oxigênio e nutrientes.

Avó: – Mas o sangue da menstruação é sujo, a mulher pode enlouquecer (sem saber, minha avó havia aprendido a desvalorizar uma parte do ser mulher, a menstruação).

Neta: – Vó, não pode lavar a cabeça, mas enlouquece também se pegar uma chuva de verão e se molhar toda? Qual a diferença de água da chuva ou do chuveiro? E como o sangue do útero descamando entra na corrente sanguínea e vai parar no cérebro? (Isto ela não saberia responder, eu pensava, mas eis que vem uma desesperada cartada final da parte dela).

Continua após publicidade

Avó: – Se não enlouquece na hora, você vai ver na menopausa! (Esse argumento foi imbatível, jogou para um provável futuro o enlouquecimento causado pela desobediência à suposta norma de como proceder “naqueles dias”. Pois é, era assim que minha avó chamava a menstruação).

Como a ciência compreende a superstição  

Estudos de laboratório com humanos e outras espécies já sinalizaram o surgimento de comportamento supersticioso. É como se o organismo respondesse a uma relação apenas temporal entre eventos (um evento A se seguiu a outro B) como se fosse, na realidade uma relação causal (A causou B). Não é toda contiguidade (a mera relação temporal) que produz reações supersticiosas, mas o padrão comportamental supersticioso pode sim aparecer sob dadas circunstâncias.

Quanto a pesquisas sobre comportamento humano influenciado por regras vemos que elas são valiosas quando especificam relações verdadeiras. Constituem, desse modo, uma facilitação verbal para entendermos algum aspecto do mundo. Boas receitas culinárias, por exemplo, são as que especificam tudo que se faz para obter um prato de qualidade. Isto é um tipo de regra. Outro tipo, o inverídico, atrapalha o meio de campo de muita gente.

Minha própria avó, mulher pouco informada sobre biologia e educada num internato de freiras, aprendeu algo improcedente e seguia essa regra para si, da menstruação sem lavar a cabeça, guiada pelo medo da tal loucura na menopausa, ou até antes. Eu fora criada para refletir sobre regras, avaliar sua lógica, buscar evidências, pesquisar a respeito. E assim não era vítima fácil de ameaças assustadoras sem base alguma.

Uma sandice de Trump

Infelizmente muita gente acredita em falas de pessoas com imagem de autoridade. Mas essas pessoas podem falar sandices. O presidente americano Donald Trump certa vez disse na TV que injetar ou beber desinfetante mataria a Covid-9. E infelizmente chegaram às salas de emergência de alguns hospitais pessoas intoxicadas com o produto recomendado. Fabricantes e autoridades de saúde correram para desmentir, mas o estrago já fora feito.

Circulam na internet uma infinidade de recomendações de saúde com estas características, seja sobre um falso remédio “natural”, uma dieta da moda ou algo similar: se você fizer isto obterá tal e tal vantagem”.

Precisamos aprender melhor a refletir sobre regras verbais e acerca de nossas atribuições de causalidade. Pensar criticamente, com base em evidências sólidas, eis um caminho interessante. E nisso a ciência tem um monte de contribuições a oferecer.