por Lilian Graziano
“Contemplar, no fim, nos faz não só digerir a vida ou admirar coisas belas, mas nos encaminha a uma gratidão pelas coisas e pessoas…”
“Quanto mais se desenvolve a nossa faculdade de contemplar, mais se desenvolvem as nossas possibilidades de felicidade, e não por acidente, mas justamente em virtude da natureza da contemplação. Esta é preciosa por ela mesma, de modo que a felicidade, poderíamos dizer, é uma espécie de contemplação.” Isso já dizia Aristóteles, em sua célebre obra Ética a Nicômaco.
Contemplar, segundo o dicionário Aulete da Língua Portuguesa, significa “entregar-se a profundas reflexões; pensar, meditar” e ainda “olhar (algo, alguém ou a si mesmo) com atenção ou admiração”. Quantas vezes você já fez isso esta semana, a ponto de perder-se em admiração ou reflexões? E o que você aprendeu com isso? Certamente lhe vieram insights que o(a) ajudaram a lidar melhor com as questões do dia a dia. E possivelmente experimentou emoções positivas durante o ato de contemplar ou nessas situações em que os insights lhe serviram. Daí a relação entre contemplação e felicidade.
Mas o que é preciso para uma vida contemplativa?
Primeiro um olhar atento aos detalhes (veja aqui), que pode ser vigorosamente treinado para tanto. Segundo, um pouco de tempo livre. (Livre, mesmo – outro componente de felicidade.) Acabamos priorizando, no tempo diário, as atividades remuneradas – e pouco ou nenhum tempo livre – eis o ponto de mudança para contemplar mais.
Já reparou em como nosso tempo acaba sempre sendo preenchido com algo “útil” nesse sentido da remuneração? Tudo mais que não tiver um fim dessa natureza fica fora (ou no pé) da lista de afazeres e projetos. No entanto, com intuito de “ganhar mais”, só perdemos. Perdemos muitas vezes a saúde, com a procrastinação do check-up de rotina, dos exercícios e da dieta; perdemos oportunidades sociais (sociabilidade – outro componente de felicidade) e, principalmente, possibilidades de contemplação.
É certo que mesmo Aristóteles, em sua obra citada anteriormente, pontua que precisamos ter nossas necessidades materiais supridas para empreender uma vida contemplativa. Mas, ao fazer esse raciocínio, ele já entendia a necessidade de dividir corretamente o tempo entre uma coisa e outra, incluindo o fato de que, para ele, o indivíduo, em vez de bens materiais, deveria focar-se em acumular virtudes e, de fato, contemplar. O ser humano pode viver com pouco. Não precisa ocupar-se o tempo todo com ganhar muito dinheiro. Pode dar-se o direito da contemplação.
Contemplar, no fim, nos faz não só digerir a vida ou admirar coisas belas, mas nos encaminha a uma gratidão pelas coisas e pessoas ao redor na reflexão que permite outro componente de felicidade. A contemplação ainda nos conecta com questões para além de nossa existência mundana. Nos remete, muitas vezes, à nossa espiritualidade adormecida, cujo papel pode ser fundamental ao equilibrar os sentimentos, dar sentido à existência (outro ponto rumo à felicidade).
Seja adentrando o campo metafísico, seja vivenciando e refletindo sobre as questões cotidianas, só temos a ganhar ao nos dedicar mais tempo livre e permitir momentos de contemplação.