por Edson Toledo
Algo inédito vem acontecendo nessa Copa do Mundo, fato que tem mobilizado toda mídia, os jogadores da seleção brasileira em diversas situações chorando em uma manifestação expressa de sentimento à flor da pele, fato esse que tem gerado comentários a favor e contra a tais expressões.
Eu mesmo ao acompanhar as partidas presenciei alguns desses momentos, e inevitavelmente fico a pensar como torcedor, técnico, jogador e especialista de futebol como os duzentos milhões de brasileiros.
Porém, como é também impossível de separar o especialista em comportamento que sou, comecei a refletir sobre estar junto e sozinho com a bola no pé, principalmente na posição do jogador nessa situação impar de atuar em uma Copa do Mundo no país das chuteiras.
Na vida todos nós devemos inevitavelmente superar o paradoxo de que, pela natureza de nossa existência, estamos sós e mais que isso, necessariamente no mundo com outros. Basicamente estamos sós. Nas estritas palavras do filósofo budista do século VIII, Shantideva: “Ao nascer, nasci só e ao morrer, também devo morrer só”.
Embora sejamos capazes de compartilhar muitas coisas com outras pessoas, muitas de nossas mais importantes experiências nunca as compartilhamos. Ao mesmo tempo, estamos inevitavelmente unidos a outros pela natureza de nossa existência. Nascemos em relacionamento com outros (surgimos do seio de nossa mãe) e adquirimos um sentido do self somente em relação aos outros. Teóricos diversos usam a metáfora do espelho para expressar o papel que os outros desempenham no desenvolvimento e manutenção do sentido do self. Como demonstram os atuais avanços da pesquisa, os seres humanos estão biologicamente programados para buscar relacionar-se com outras pessoas e para desenvolver-se no contexto desses relacionamentos. Além isso, desde a mais tenra idade, parece que já temos uma notável capacidade para a intersubjetividade – para compartilhar e criar empatia com as experiências subjetivas de outros.
Entretanto, apesar da natureza intrinsecamente interpessoal da existência humana, estamos afinal presos em nossa própria pele (nosso corpo) e permaneceremos separados dos outros em virtude de nossa existência como organismos independentes. Apesar de nossos esforços, não podemos atingir de forma permanente um tipo de união com outros que nos permita escapar de nossa solidão. Como seres humanos, passamos nossas vidas superando o paradoxo da simultaneidade da solidão e da companhia.
Efeito básico e desajuste
O psicanalista húngaro Michael Balint (1965) referiu-se ao que ele chamava de “efeito básico” como a essência da condição humana. Segundo ele, o efeito básico provém do fato de que o ambiente falha em estar em perfeita harmonia com nossas necessidades. Normalmente, temos a primeira experiência desse tipo com a mãe, que inevitavelmente estará, ou ausente quando necessitamos dela, ou intrometendo-se quando precisamos estar sós. Como resultado desse inevitável desajuste, temos nossa primeira experiência de que o ambiente é inexato em algum sentido. Começamos a ter uma sensação de estarmos separados de nosso ambiente. Enfim, esse defeito básico: a sensação de que alguma coisa vai mal, de haver perdido um estado de graça – é tema universal da mitologia. A tentativa de conciliar esse defeito básico é o interesse central de todas as tradições espirituais.
Na tradição judaico-cristã, esse sentimento de haver perdido um estado de graça é refletido no mito da expulsão do jardim do Éden. A cultura judaica está impregnada por uma sensação de se viver no exílio como um princípio tanto histórico quanto cósmico. As tradições cristãs e judaicas têm interesse em remediar nossa sensação de separação e o fazem através da busca de união com o divino e com os outros seres humanos. Isso é particularmente certo e verdadeiro na tradição cabalística e hassídica do judaísmo, assim como nas tradições gnósticas do cristianismo. A tradição hindu vê o dilema da experiência de separação humana como resultado do fracasso em reconhecer que todos somos parte de uma essência universal – Brahma (divindade hindu) – e a solução desse dilema como o reconhecimento e a experiência de nosso ser fundamental participando dessa essência. O budismo examina o dilema humano básico como originário de uma concepção equivocada do self, que teria uma natureza permanente e substancial; o reconhecimento da não dualidade entre o self e os outros seria a solução.
Vários teóricos da psicologia têm escrito, com outras palavras, sobre nossa tentativa de escapar do isolamento através da união com outros e através das diferentes formas em que esse tema ocorre na vida diária. É interessante mencionar que, desde o começo da teoria psicanalítica, houve duas linhas de pensamento paralelas em relação à natureza fundamental da motivação humana. Ao mesmo tempo em que Freud articulava sua metapsicologia pulsional, na qual sustenta que o principio de motivação fundamental consiste em manter a energia libidinal em nível constante, Balint veio a chamar mais tarde (1965) de “amor primário”, por exemplo, o desejo de “ser sempre amado, em todas as partes, de todas as formas, todo meu corpo, todo meu ser”.
Então, será a manifestação de uma contida emoção a despeito de todas as explicações psicológicas uma forma também legitima de expressão de que estamos sós e mais que isso, necessariamente no mundo com outros quase duzentos milhões de torcedores e que apesar dos esforços de toda equipe, não podemos alcançar um tipo de união com outros que permita escapar da dita solidão, já que como humanos passamos nossas vidas superando o paradoxo da dualidade entre a solidão e da companhia que é manifestada durante o tempo regulamentar de uma partida de futebol.