Teorias da conspiração e fake news: por que elas se tornam cada vez mais absurdas?

O que é uma teoria da conspiração? Por que elas são construídas? Por que as fake news estão cada vez mais poderosas e influentes?

Recentemente li um texto em que o autor acusava as mídias sociais de serem as grandes responsáveis pela propagação das teorias da conspiração. Nele se afirmava, por exemplo, em uma busca no YouTube sobre o Papa Francisco, que 70% dos vídeos propagavam algum tipo de teoria conspiratória. Entre os vídeos se suspeitava inclusive de que o Papa não era o Papa, mas um personagem propositalmente inserido no papado visando objetivos não propriamente católicos etc. O texto indicava que as mídias sociais propagam esses vídeos porque faturam com o interesse das pessoas. Nesse sentido, elas são criticadas por colocarem seus lucros acima do interesse coletivo.

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Entretanto, me parece que falta algo aqui. É claro que o interesse das pessoas não é isento de influências. Porém, se as mídias realmente conseguem produzir o desejo na sua audiência por algum tipo de informação por que, exatamente elas o produzem sobre teorias da conspiração? Por que esse tema particular se tornou tão influente?

Por que teorias da conspiração e fake news estão cada vez mais poderosas? 

Deve haver algo na expectativa das pessoas que sugira, ao menos, a necessidade de uma teoria da conspiração

Imagino que o fator decisivo aqui é o interesse preexistente das pessoas – antes da interferência das mídias, se podemos falar em algo desse tipo. Pode ser que as mídias consigam produzir a própria demanda, o que é um sonho de qualquer produtor de mercadorias. Porém, não há motivo para que elas favoreçam exatamente um foco sobre a teoria da conspiração se isso não manifestar alguma necessidade muita básica de sua audiência. Ou seja, deve haver algo na expectativa das pessoas que sugira, ao menos, a necessidade de uma teoria da conspiração. Vejamos isso.

O que é uma teoria da conspiração?

Uma narrativa segundo a qual estamos sendo enganados por alguém, seguramente por interesses que preferem esconder-se na sombra para nos prejudicar. Se for isso mesmo, vamos adiante: por que nós estaríamos demandando mais e mais teorias da conspiração? Desejamos nos sentir enganados por forças mais poderosas que nós mesmos?

Na verdade, o que as teorias da conspiração nos fornecem é uma narrativa acerca de nossa própria impotência. Qualquer um de nós possui a consciência de que tem se acentuado o ponto de vista contemporâneo segundo o qual somos frágeis. Muitos da minha geração se indignam contra o que entendem ser o elogio da fraqueza, da falta de vontade e de determinação – um nhenhenhém dizem eles.

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Se meu raciocínio tem sentido, a adoção de qualquer teoria da conspiração fortalece a narrativa de nossa própria fragilidade existencial. Afinal, se podemos ser enganados o tempo todo acerca de coisas muito óbvias – de que o Papa não é o Papa, por exemplo – então poderíamos estar enganados sobre tudo o mais. E se podemos ser enganados sobre tudo, é justamente por que não temos condições de obter certezas nesse mundo.

Resta ainda dar um passo adiante relativo ao benefício de viver em um mundo em que não se podem obter verdades seguras. A vantagem é que sem a verdade não é mais necessário ou possível derivar compromissos. Pelo contrário, não sabendo mais o que é verdadeiro ou falso parece mais sábio não se comprometer com valores para evitar a manipulação. A sabedoria expressa pelos adeptos de uma teoria da conspiração é que nós não devemos desenvolver compromissos com aquilo que está fora de nosso controle e que é quase tudo o que nos cerca. Não assumir compromissos é sábio e recomendável.

Em outras palavras, a teoria da conspiração catapulta para uma posição de destaque a irresponsabilidade como uma virtude. É sinal de saber guiar-se em um mundo inteiramente manipulável não se envolver com nada que ultrapasse minha esfera direta de atuação. Tudo que estiver além de minha capacidade de averiguação imediata, tudo o que eu não posso ver com meus próprios olhos, deve ser suspeito.

Então, só posso ser responsável por mim mesmo porque só posso saber de mim mesmo – e assim mesmo com algumas precauções. Não estou afirmando que isso seja feito como uma narrativa escapista para evitar propositalmente a responsabilidade, como pretendem os que criaram a alcunha do nhenhenhém. Mas o fato é que adotar uma teoria da conspiração significa alinhar-se com alguma forma de justificativa para a irresponsabilidade e a falta de compromissos. Isso, inclusive, poder ser bom – ou não. O futuro nos dirá que tipo de mundo emergirá do ocaso da confiança.

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Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie