por Ana Beatriz Silva
Sempre tive a mais absoluta convicção que o término de uma paixão era sempre algo doloroso com tons fortes de desespero. Todas as paixões que tive e que vi em amigos e em pacientes, sempre confirmaram este aspecto destruidor da paixão acabada.
Tal era esta certeza que ao viver ou ver alguém nesta triste situação, vinha-me logo a mente a frase da canção "De Frente pro Crime" (de João Bosco e Aldir Blanc): "ta lá o corpo estendido no chão!" A paixão é algo tão preenchedor em nossas vidas que, ao experimentá-la por inteiro, temos a impressão que uma outra pessoa brotou de dentro de nós tal qual um nascimento espontâneo sem uma gravidez antecedente.
Literalmente parimos o 'ser apaixonado' que em outras circunstâncias habita o escaninho de nossas almas. Por dias ou poucos meses o 'ser apaixonado' toma posse do nosso corpo e sai por aí, vivendo intensamente disfarçado de 'nós seres centrados'.
O 'ser apaixonado' nos faz sonhar sem críticas ou limites mundanos, faz-nos 'malucos beleza' ou loucos elogiáveis. O corpo gera energia antes nunca experimentada, os toques desencadeiam sensações, no mínimo exóticas, a pele se veste de um frescor tão intenso que ao caminharmos temos a certeza que perfumamos as ruas da cidade.
Desafiamos as leis, quebramos hábitos quase existenciais, esquecemos do trabalho, da família, dos amigos, das contas, dos prazos e de quem éramos até pouco tempo atrás, antes de estarmos tomados pelo vírus da paixão. Se por um lado esquecemos de tudo, sem nos darmos conta, lembramos a todo instante da grandiosidade de Deus! É isso mesmo, pois quando estamos em estado de paixão olhamos o mundo de forma bem peculiar: reparamos nos raios de sol do amanhecer, deslumbramos-nos com o céu estrelado e o poder de iluminação da lua cheia, sorrimos mais, choramos o choro do prazer e tocamos o dedo de Deus ao aceitar incondicionalmente o 'outro' que é o objeto de nossa paixão, exatamente assim, como ele é, e mais ainda imploramos que nunca, nunca mesmo ele mude. Mas tudo muda: as marés, os ventos, os dias e a paixão. Esta vai desbotando, esmaecendo suas tonalidades, perdendo o brilho, ganhando a palidez dos seres comuns que vão desmaiar e por fim cair.
Caiu, levanta! Nada disso, pois o 'ser apaixonado' nunca sequer andou, ele sempre flutuou, plainou acima dos mortais e do bem e do mal.
E agora que acabou, que o dia anoiteceu, a chuva inundou a cidade, príncipes voltam a ser sapos e princesas se perderam em florestas ou foram trancafiadas em sótãos tristes? "E agora José"?
Por incrível que pareça você ainda tem o poder de escolha: ou deita e chora e reza pro tempo passar e te curar ou muda seu modo de ver e sentir o ocorrido. Afinal, tudo pode ser bom ou ruim e até assim, assim! E não necessariamente nesta ordem. Ruim é nunca ter se apaixonado, pior ainda é ter se apaixonado e não ter se permitido ter a paixão até a derradeira gota. Bom é ter a lembrança cinematográfica dos dias que éramos heróis de nós mesmos e nossos cavalos falavam inglês e chinês. Ruim é não ter seguido a paixão, como os mendigos de Joãozinho Trinta e Beija-flor!
Bom é ter feito tudo e saber que faria de novo, pois a paixão lhe fez livre, destemido e imbatível por tudo e todos ainda que por pouco tempo. Ruim é se queixar a Deus por ter se apaixonado e pior ainda culpá-lo por ter deixado a paixão ocorrer. Bom é agradecer a Deus pelos momentos inebriantes que te lembraram a juventude ousada e liberta que já se empoleirava no quarto de "troços" do seu interior.
Mas melhor ainda é descobrir que a paixão após os 40, não é igual às edições juvenis que tivemos. Porque no fundo a vida só vale a pena se tivermos uma grande estória pra contar.