por Patricia Gebrim
Hoje vou falar com você sobre o seu Eu Mascarado.
Sim, porque com certeza ele existe, quer você se dê conta, quer não.
lustração: Patricia Gebrim
Ora, todos nós, desde que somos crianças, aprendemos com nossos pais e professores uma série de regras para viver em sociedade… “corte com a faca na mão direita”… “ não faça barulho com o canudinho do refrigerante”… “agradeça quando alguém der algo a você”… e por aí vai.
Aprendemos, assim, o que “se deve” e o que “não se deve” fazer.
Até aí, tudo bem, porque é necessário que saibamos usar essas máscaras com sabedoria para nos relacionarmos com as outras pessoas com respeito e harmonia.
– Como seria se eu decidisse ir a uma palestra importante vestindo maiô e canga, só porque está fazendo esse terrível calor? – eu penso, enquanto visto meu terninho e sapatos de salto alto. É claro que estou usando uma máscara, de certa forma construindo um personagem, e DESDE QUE EU SAIBA DISSO, está tudo bem.
Os problemas acontecem quando nos esquecemos de quem somos e nos misturamos com as máscaras que criamos.
Para ajudar você a visualizar isso, vou falar de duas máscaras que são muito usadas pelas pessoas. É claro que existem infinitas possibilidades de criarmos personagens, mas a minha idéia é ajudar você a perceber o mecanismo. Vamos lá?
Máscara da agressividade
Imagine que Melindra (inventei o nome, ok?) tenha sido criada em uma família dessas poderosas, com pessoas fortes, que valorizavam a força, a coragem, a audácia. A ironia é que Melindra não era tão corajosa assim, e nem teria que ser, afinal, era apenas uma criança aprendendo a lidar com um mundo que é vasto e, muitas vezes, assustador. Mas o fato é que toda vez que chorava, Melindra era um pouco desprezada nessa família de fortes.
Com o tempo, ela foi aprendendo que seria muito mais valorizada se se mostrasse decidida, invulnerável e independente. Melindra cresceu e se tornou poderosa. É diretora de uma empresa multinacional e seus subordinados têm medo dela. É muitas vezes agressiva, jamais admite um erro, e parece ter o poder de intimidar as pessoas. Conseguiu muitas coisas graças a esse jeito de ser, mas no fundo não se sente tão forte assim. Muitas vezes se sente horrivelmente cansada e assustada, e nessas vezes se mostra ainda mais assustadora, para que ninguém perceba a sua “fraqueza”. Ela continua agindo pela vida como imaginava que as pessoas gostariam que agisse, de acordo com essa máscara que construiu. O seu Eu mascarado poderoso existe porque ela quer ser aceita pelas pessoas, e porque não quer que percebam como na verdade se sente vulnerável.
No fim, o que acontece é que ela representa tão bem seu papel que ninguém a enxerga como é. Ninguém percebe o quanto se sente cansada, o quanto precisa de ajuda e compreensão. Melindra raramente receberá um colo ou carinho. Com certeza atrairá muitas situações difíceis, pessoas que a confrontarão, confirmando a hipótese de que o mundo é mesmo agressivo e que ela deve se armar e se defender. Vocês percebem? Melindra tornou-se prisioneira de sua máscara. Com o tempo, até mesmo Melindra se esquece de quem é, e em alguns casos, passa a achar estranhos sentimentos como afeto, cuidado e amor, como se fossem falsos ou hipócritas.
Bem, o caminho de crescimento para uma pessoa como Melindra envolve um risco que ela consideraria enorme… o risco de deixar que as pessoas vejam o que se esconde sob a máscara. Deixar que percebam que ela não é tão forte como parece, mostrar que também tem medo às vezes, que também se cansa, que também precisa de ajuda… um risco e tanto para alguém como ela!
Máscara do amor
Bem, agora vou criar outro personagem, vou chamá-lo Révis.
Révis, diferentemente de Melindra, foi criado em uma família que tinha como valores principais a generosidade, a ajuda ao próximo, a bondade, o perdão, o amor. Em sua casa qualquer expressão de raiva era vista como algo ruim (e não como força, como no caso de Melindra). Assim, ele aprendeu que devia conter sua raiva, ser sempre compreensivo, amoroso e gentil. Quando agia assim era aceito e amado. Quando explodia era criticado ou deixado de lado.
Por outro lado, quando Révis chorava e se mostrava fraco, era acolhido e ganhava um delicioso achocolatado que sua mãe lhe preparava com todo o carinho, enquanto o abraçava… “Pobrezinho, mamãe está aqui”, dizia ela.
*Uma observação… estou simplificando a coisa toda para que caiba neste artigo. É claro que não estou responsabilizando os pais por sermos quem nos tornamos, e sim ressaltando todo um ambiente (pais, escola, pessoas com quem convivemos) como parte da formação da nossa personalidade, ok?
Bem, o fato é que Révis cresceu e construiu um Eu Mascarado que era pura bondade. Trabalha em inúmeros projetos sociais, ajuda muitas pessoas, não ganha lá muito dinheiro, é verdade. As pessoas o veem como uma pessoa generosa, gentil, compreensiva, boa. É claro que muitas pessoas passaram a tentar se aproveitar dele. Outras grudam nele como sanguessugas, ligam de madrugada para falar de seus problemas, pedem dinheiro emprestado (sempre esquecem de devolver, é claro), chegam uma hora atrasadas em um encontro sem se preocupar, porque sabem que “Révis não se importa, é tão bonzinho…”. Raramente Révis se impõe ou perde a paciência com alguém. Quanto muito fica amuado, tristemente encolhido em um canto, com cara de cachorro sem dono, esperando assim que as pessoas se arrependam de tê-lo feito sentir-se tão mal assim.
No fundo Révis sente muita raiva. Também se sente tão cansado quanto Melindra. Não consegue se sentir valorizado, não consegue impor limites, não sabe dizer “Não”. Seu Eu Mascarado o aprisiona também. Não pode sequer lidar com a idéia de que, como qualquer ser humano, sinta raiva, ciúme, inveja e até mesmo ódio. Não consegue se colocar em primeiro lugar. Não enfrenta as pessoas.
Seu caminho de crescimento requer que, como Melindra, ele enfrente um enorme desafio: o de correr o risco de ser quem é. Seu desafio é mostrar que não é sempre tão bonzinho como pensam. Que, como qualquer pessoa, também se irrita, e que é capaz de dizer “não” quantas vezes for necessário. Révis precisa parar de querer agradar sempre e correr o risco de que não gostem dele. Afinal, é impossível agradar a todos, não é? Precisa deixar aparecer aqueles sentimentos que aprendeu a considerar “maus”. Precisa deixar que as pessoas percebam que também fica bravo, que não está disponível 24 horas por dia e que merece ser respeitado.
Deixando um pouco as máscaras de lado, acho importante ressaltar que é claro que existem pessoas que são verdadeiramente fortes e verdadeiramente amorosas. Isso nem sempre é uma máscara!!! Mas quando essas qualidades são reais, elas não pesam. Podemos ser fortes sem precisar negar os momentos em que nos sentimos vulneráveis. Podemos ser amorosos sem nos apagar ou diminuir por isso. Quando somos de verdade fortes, ou amorosos, fazemos isso sem sentir aquele cansaço e mal estar que a máscara trás.
Ouça … Se você está se sentindo pesado e sem vida, com certeza está usando uma máscara. Descubra-a a tenha a coragem de tirá-la.
Só podemos sentir a brisa da vida com o rosto descoberto!