“To Slam Rush”: você sabe o que é?

“To Slam Rush”: trata-se do uso de metanfetamina injetável. Veja neste artigo, inédito e exclusivo, as repercussões atuais e futuras desse uso. 

Slamming” é o termo usado para descrever a ação de injetar intravenosamente substâncias psicoativas, normalmente durante relações sexuais. “Rush” é um dos nomes usados por traficantes e usuários para se referir à metanfetamina. A metanfetamina também tem outros apelidos (street names), incluindo, Ice, Speed, Crystal, Tina (CrisTina)… Trata-se de substância psicoativa de extrema potência para induzir quadros de abuso e Síndrome de Dependência.

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De fato, “slamming” é frequentemente praticado num contexto sexual para aumentar o desejo e impulso sexual do usuário, muitas vezes permitindo que os indivíduos tenham relações sexuais durante longos períodos. Este termo (slamming) refere-se especificamente à injeção de substâncias psicoativas, e não se refere aos atos de engolir e/ou cheirar substâncias.

O ato de “slamming” tem sido preocupante em algumas comunidades e as investigações científicas têm demonstrado forte associação entre a injeção de substâncias, tais como a metanfetamina e a mefedrona, e a infecção pelo HIV, Hepatite C e Hepatite B.

Prazer sexual?

Slamming” tende a dar ao usuário uma sensação de extrema euforia e excitação sexual e, possivelmente, maior do que a sensação prazerosa obtida através do uso oral, intranasal, fumado, bucal, anal de várias outras substâncias usualmente consumidas em práticas de “chemsex” (sexo químico).

Quer seja fumada, tomada em forma de comprimido, cheirada ou injetada, a metanfetamina afeta o sistema nervoso central, ativando os circuitos de recompensa do cérebro. Especificamente, faz com que os níveis do neurotransmissor dopamina, produtor de prazer, aumentem, levando a uma excitação intensa (mas artificial).

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Cheirar a metanfetamina ou tomá-la por via oral leva mais tempo para produzir efeito; porém, o efeito é mais duradouro do que quando utilizada na forma injetável. Fumar ou injetar metanfetamina produz uma onda rápida e intensa de sensações prazerosas, o que impulsiona o uso repetitivo.

Dos efeitos agudos

O uso de metanfetamina está associado a múltiplas morbidades, incluindo: sintomas psiquiátricos (alucinações, delírios, ansiedade e depressão) (Lin et al. 2004), preocupações físicas (hipertensão, risco aumentado de acidente vascular cerebral hemorrágico intracraniano, cardiomiopatia, insuficiência renal, doença cardíaca isquêmica) (Dickson et al, 2021) e aumento do risco de suicídio e lesões (Harding et al., 2022).

Nos últimos anos, os relatórios de vigilância dos EUA identificaram aumentos nas internações hospitalares relacionadas com metanfetaminas e por transtornos por uso de substâncias. Por exemplo, de 2010 a 2017, no estado de Washington, no oeste dos EUA, a taxa ajustada por idade para hospitalizações relacionadas com metanfetamina aumentou de 6,3 para 8,5/100.000. Nacionalmente, as internações hospitalares por insuficiência cardíaca envolvendo metanfetamina aumentaram de 547 em 2002 para 6.625 em 2014.  Entre as pessoas que procuram tratamento para transtornos por uso de substâncias com heroína, a proporção de pacientes que relatam uso de metanfetaminas aumentou quase 500% entre 2008 e 2017 (Dickson et al. 2021).

Depois de tomar metanfetamina, uma pessoa pode experimentar:

  1. Inquietação e hiperatividade
  2. Apetite reduzido
  3. Aumento das frequências cardíaca e respiratória
  4. Ritmo cardíaco irregular (arritmias)
  5. Pressão arterial elevada
  6. Aumento da temperatura corporal
  7. Sensação de orgasmo
  8. Aceleração do pensamento

Os usuários podem rapidamente desenvolver um quadro de Síndrome de Dependência e ter de enfrentar uma série de problemas associados. Em 2018, cerca de 1,1 milhão de pessoas com 12 anos ou mais teve um transtorno por uso de metanfetamina. Este número de pessoas com transtorno por uso de metanfetamina corresponde cerca de 0,4 por cento da população Americana. A percentagem de pessoas com 12 anos ou mais em 2018 com um transtorno por uso de metanfetaminas foi maior do que o percentual em 2016, mas foi semelhante aos percentuais em 2015 e 2017 (SAMHSA, 2019).

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Os registros de estatísticas vitais também demonstraram aumentos dramáticos nas mortes relacionadas ou envolvidas com metanfetaminas nos Estados Unidos da América. As mortes relacionadas com a metanfetamina aumentaram quase cinco vezes, de 0,8 por 100.000 em 2012 para 3,9 por 100.000 em 2018 (Hedegaard et al., 2020). Notavelmente, uma parte significativa das mortes por overdose de drogas inclui combinações da metanfetamina com outras substâncias.

Usar metanfetamina é perigoso

O uso da metanfetamina por si só é perigoso, e a forma de uso retém os seus próprios riscos inerentes. A combinação de agulha e seringa às vezes é conhecida como “equipamento”. Outrossim, as pessoas injetam metanfetamina ou outras drogas nos músculos ou sob a pele.

Tal como acontece com qualquer droga injetável, se as agulhas estiverem sendo partilhadas, a injeção de metanfetamina pode fazer mais do que deixar as pessoas “altas”. Pessoas que injetam metanfetamina e compartilham seringas também correm o risco de contrair uma série de doenças e problemas de saúde. Estas doenças e problemas de saúde podem incluir infecções bacterianas de quaisquer contaminantes nos medicamentos ou nas agulhas e seringas. Eles também podem incluir HIV, hepatite B ou hepatite C. A injeção de drogas também aumenta o risco de overdose.

O consumo de metanfetamina comumente coloca os usuários em particular perigo. A prática tem aumentado em algumas comunidades, sendo utilizada para intensificar a vida sexual de alguns usuários. Pode proporcionar uma sensação de extremo prazer (bem como diminuir as inibições sexuais) mas tem um custo elevado: o potencial de overdose ou de adquirir uma doença fatal.

É relatado que às vezes “slamming” ocorre também durante festas de sexo (orgias) que podem durar dias. Alguns autores relataram taxas mais elevadas de HIV e os especialistas temem que a prática possa ser a culpada.

Infelizmente, estudos têm mostrado que os incidentes em que as pessoas injetaram drogas para melhorar as experiências sexuais – por vezes com múltiplos parceiros num curto espaço de tempo – quadruplicaram nos últimos anos.

Do uso crônico

Os perigos do uso a longo prazo incluem:

  1. Perda de peso extrema
  2. Problemas dentários que incluem perda dentária (também conhecida como boca de metanfetamina)
  3. Coceira, que pode causar arranhões e feridas na pele
  4. Confusão mental
  5. Ansiedade
  6. Insônia
  7. Perda de memória
  8. Comportamento violento
  9. Paranoia e outros sintomas psicóticos (alucinações e delírios temáticos)
  10. Distúrbios de humor
  11. Aumento do risco de contrair doenças infecciosas como hepatite B, hepatite C ou HIV.

A paranoia pode predispor o usuário a pensamentos e impulsos suicidas ou homicidas. Isso pode ser especialmente perigoso em festas, seja por meio de sexo violento ou forçado (ou ambos).

O abuso de metanfetamina também pode mudar o funcionamento do cérebro. Alguns estudos descobriram que quase metade das células cerebrais produtoras de dopamina de uma pessoa podem ser danificadas pela exposição prolongada até mesmo a pequenos níveis de metanfetamina.

Estimulantes como a metanfetamina também podem danificar os níveis de serotonina, o que por sua vez pode afetar o humor e as habilidades motoras. Podem ocorrer problemas de coordenação motora, aprendizagem, emoção e memória.

O abuso de metanfetamina também pode colocar as pessoas em maior risco (risco quase duas vezes maior, de acordo com um estudo) de desenvolver Síndrome Parkinsoniana. No caso de uma sobredosagem, os órgãos podem ser danificados devido ao sobreaquecimento e o usuário pode correr o risco de sofrer um acidente vascular cerebral ou ataque cardíaco.

Do tratamento

Não existem medicamentos aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration) e ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) destinados a tratar a Síndrome de Dependência de metanfetaminas.

Existem opções, no entanto.

Até agora, as terapias comportamentais têm sido as mais utilizadas. As terapias cognitivo-comportamentais e aquelas que incluem aconselhamento individual e em grupo, psico educação, grupos de mútua ajuda e o incentivo para a realização de atividades livres de drogas também podem ser recomendadas.

Muitos dos efeitos do uso da metanfetamina precisam de tratamento medicamentoso com especialistas, tais como para os sintomas psicóticos, agitação psicomotora e anedonia.

Para os médicos graduados entre as décadas de 80 e 90, o aumento, o ressurgimento ou mesmo o renascimento vigoroso do Uso de Drogas Intravenosas  traz um sabor bastante amargo na nossa boca. O Uso de Drogas Intravenosas (UDI) foi e é uma das principais formas de transmissão de HIV e de outros vírus, bactérias e fungos. Já vivemos um dos mais sombrios períodos da história da humanidade, com a pandemia da AIDS. Não podemos reviver esse período dramático.

Infelizmente, pouco tem sido falado no nosso meio a respeito do problema do Uso de Drogas Injetáveis (UDI). No entanto, o problema está aí, aqui e agora com o uso intravenoso de metanfetamina. Associado com o chamado sexo químico (ou chemsex), o to slam meth tem acometido um percentual ainda desconhecido no Brasil, ou seja, uma cifra negra.

Milhares de filmes pornográficos com o tema “Slam Sex” têm seu acesso aberto na Internet. A associação entre o uso de metanfetamina com o prazer sexual tórrido nas suas mais variadas formas é clara nesses filmes; porém, o efeito destes filmes sobre o início e/ou a manutenção do comportamento sexual com o uso da substância ainda não é.

Alerta!

Referências:

Dickson SD, Thomas IC, Bhatia HS, Nishimura M, Mahmud E, Tu XM, et al. Methamphetamine-associated heart failure hospitalizations across the United States: geographic and social disparities. J Am Heart Assoc. 2021;10(16):e018370.

Harding RW, Wagner KT, Fiuty P, Smith KP, Page K, Wagner KD. “It’s called overamping”: experiences of overdose among people who use methamphetamine. Harm Reduct J. 2022;19(1):4.

Lin SK, Ball D, Hsiao CC, Chiang YL, Ree SC, Chen CK. Psychiatric comorbidity and gender differences of persons incarcerated for methamphetamine abuse in Taiwan. Psychiatry Clin Neurosci. 2004;58(2):206–212.

Hedegaard H, Miniño AM, Warner M. Drug overdose deaths in the United States, 1999–2018. NCHS Data Brief. 2020;356:1–8. Substance Abuse and Mental Health Services Administration. (SAMHSA). Key substance use and mental health indicators in the United States: Results from the 2018 National Survey on Drug Use and Health (HHS Publication No. PEP19-5068, NSDUH Series H-54). Rockville, MD: Center for Behavioral Health Statistics and Quality, Substance Abuse and Mental Health Services Administration. Retrieved from https://www.samhsa.gov/data

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.