por Dulce Magalhães
O desafio de fazer uma escolha não é a escolha em si, mas ser capaz de abrir mão de tudo que não foi escolhido.
Se pudéssemos escolher e manter também o não escolhido seria fácil, fácil fazer escolhas, não é? O duro mesmo é a renúncia.
Eu quero viajar e trocar de carro, tenho que escolher entre um e outro. A sensação é de perda – se escolho a viagem, ficarei com o carro já passado de época por mais um ano. Se escolho o carro, não desfrutarei da viagem. Ufa! Que dureza decidir. E assim é com tudo na vida, não dá para ter tudo ao mesmo tempo agora. Pode ser tudo, mas uma coisa de cada vez e numa progressão de tempo que não atende ao nosso desejo mágico de simultaneidade.
Claro que há coisas que podem e são simultâneas, mas essas não nos dão angústia, porque não exigem decisão. É a escolha que nos angustia, que nos tira do centro, que nos faz repensar valores, prioridades, responsabilidades. É para isso mesmo que vivemos o dilema das decisões, para nosso autoconhecimento. O desconforto da escolha nada mais é do que um chacoalhão para sairmos de nosso espaço já conhecido e muito habitado de mundo e nos aventurarmos a olhar um cenário mais amplo da vida.
Há todo um potencial contido em cada escolha. As coisas podem não correr do jeito que pensamos e até podemos concluir que aquele caminho foi um erro, porém, de fato, todo o caminho nos ajuda a compreender um pouco mais dessa habilidade incrível que é caminhar. Seguir em frente, aprender, às vezes refazer o percurso, mas nunca é um retrocesso, é sempre um jeito novo de caminhar, com mais sabedoria depois de um percalço, de um desafio, de um conflito ou de um sucesso. Tudo é apenas caminho para novos e ainda mais amplos horizontes.
Cada decisão define quem somos
E a chave para abrir esse portal de oportunidades são as escolhas. Cada decisão nos leva a inéditos conceitos sobre quem somos e o que queremos, mesmo que nossa escolha seja manter tudo como está – isso fala mais de nós do que imaginamos. Eleger algo é definir que tipo de vida queremos naquele momento.
O tema da tomada de decisão não é uma angústia nova, ao contrário. Desde o começo de toda a filosofia humana que muitos pensadores já se debruçaram sobre o tema e nos inspiraram com suas reflexões e ideias iluminadas. Nos conta Platão, que Sócrates, em seu último dia de vida, ao aconselhar um de seus discípulos sobre decisões futuras disse: "Faça o que achar melhor, desde que venha a se arrepender um dia."
Esse é conselho de mestre mesmo. Não escreva na pedra, escreva na areia. As coisas vão mudar, então esteja preparado para mudar com elas. Uma decisão revela sobre você e seu momento, não é um epíteto que define como será o resto de sua vida. Tudo é transitório, assim como nossas decisões. Podemos e devemos mudar de opinião, como nos aconselha o filósofo grego. A experiência mais interessante é decidir com desapego. Tanto de abrir mão daquilo que não foi escolhido, como ser capaz de lidar com a impermanência do que foi. As coisas mudam. A gente estuda e depois vai trabalhar com outras coisas. Casa e descasa. Tem filhos que um dia vão embora viver suas próprias escolhas. Jura que nunca mais fará um determinada coisa e se pega fazendo de novo. Tudo bem.
Assim é, portanto, podemos escolher e viver a escolha enquanto seu prazo de validade estiver valendo. Depois, é preciso passar para o próximo estágio, fluir na correnteza da existência e perceber que as decisões também mudam. O que acho mais interessante no conselho de Sócrates não é a sábia contradição de se arrepender um dia, mas a primeira parte do conselho: "faça o que achar melhor".
Esse é um luxo ao qual raramente nos damos o direito e o deleite. Fazemos escolhas baseadas no que esperam de nós, o que achamos que é o mais sensato, o mais razoável, o que o dever nos cobra, etc. Contudo, só ocasionalmente temos o foco em fazer o que achamos melhor para nós. O que nosso coração clama. Por isso o conflito é ainda maior, porque temos receio de seguir nosso desejo e nos vemos enredados pela trama da cultura que nos conta o que é o melhor.
Então abandonamos a mochila no armário e vestimos o uniforme de sérios e responsáveis, sem perceber que a maior irresponsabilidade é não darmos ouvidos ao nosso projeto mais pessoal e intransferível de vida. Somos frutos de nossas escolhas e é sempre tempo de aplicarmos mais sabedoria e menos conhecimento, mais coração e menos razão, mais sensibilidade e menos responsabilidade. Não é tirar isso tudo, é diminuir o volume, fazer uma fórmula mais baseada nos impulsos internos e não nos compromissos externos. Naturalmente, isso também é uma decisão que nos cabe fazer. Reflita sobre isso. Suerte!