por Patricia Gebrim
Existem mesmo lobos e cordeiros?
Percebo na maioria de nós uma certa imaturidade no entendimento da natureza do mal. Muitos de nós ainda acreditamos que existem pessoas "do bem" e pessoas "do mal", como se existisse uma barreira invisível separando dois grupos distintos.
Vou convidar você a pensar por um instante em quais foram as pessoas que mais o feriram na vida, que mais lhe fizeram sofrer? Afirmo, sem medo de errar, que na maioria das vezes, os que nos feriram não foram pessoas estranhas, "do grupo do mal" (embora essas também existam e isso possa acontecer).
As pessoas que mais nos ferem na vida, em geral, são as mais próximas. São os melhores amigos, os pais, os irmãos, as esposas, os maridos. O mal nos atinge através das relações onde mais nos desnudamos, onde baixamos as defesas, onde confiamos. O mal vem através das pessoas que considerávamos "do bem", na maioria das vezes, das pessoas que mais nos dizem amar.
Claro que essas pessoas não nos ferem com a intenção de fazer mal. Se você pudesse perguntar, arrisco afirmar que a maioria delas diria não ter tido intenção alguma de lhe ferir ou causar mal. E ainda assim o fazem, repetidas vezes, com sua permissão. É também o mal dentro de você que permite que você seja assim ferido.
Na verdade, toda pessoa "de bem" tem também o mal dentro de si. Saber disso é abandonar uma casca de ingenuidade que precisa urgentemente ser deixada para trás.
Sempre que nos tornamos prisioneiros do medo, da ignorância ou do egoísmo, o mal se manifesta em nossas vidas.
O medroso tem dificuldade em se controlar
O medo, quando toma conta de nós, nos faz reagir defensivamente, como um cão que morde ao se sentir ameaçado. O medroso têm dificuldade em se controlar. Percebe que muitas vezes causa o mal, mas quando finalmente se controla, o estrago já foi feito. É comum que se arrependa depois de ter agredido ou ferido alguém. Costuma se desculpar, mas enquanto não for capaz de vencer o medo, será refém de reações instintivas que podem ferir muito os que com ele convivem.
A ignorância, por sua vez, nos faz agir de forma imatura e cega, como uma criança que tenha em suas mãos uma arma, sem ter consciência de como funciona. Uma criança pode matar uma pessoa sem fazer a menor ideia do mal que está causando. Pessoas ignorantes têm dificuldade de se perceberem como causadoras do mal. São aquelas pessoas imaturas, muitas vezes superficiais, que fazem coisas horríveis sem sequer perceber o mal que estão causando. Lhes falta consciência, o que as torna verdadeiramente assustadoras.
O egoísmo, por sua vez, faz com que sejamos incapazes de enxergar o outro, de nos colocarmos em seu lugar. Se não enxergamos alguém, podemos atropelar essa pessoa sem nos darmos conta do que estamos fazendo. O egoísta justifica, de forma arrogante, o mal causado, sempre acha que está certo, por não conseguir olhar a situação pelo ponto de vista do outro. Não tem a capacidade da empatia, o que o torna com frequência insensível e cruel, mesmo que se ache a mais doce das pessoas.
Todos nós somos, às vezes, causadores do mal. Somos os lobos. Somos os cordeiros. Somos os medrosos, os ignorantes, os insensíveis. Somos os animais feridos que mordem, as crianças inconsequentes que atiram, os cegos que não sabem o que fazem. Querendo acertar e amar, muitas vezes causamos um mal horrendo a quem mais amamos.
Ou, do outro lado dessa história, somos também aqueles que causam mal a nós mesmos, permanecendo em relações abusivas e desrespeitosas.
O mal está dentro de cada um de nós, de cada pessoa com a qual vivemos. Não se engane, não há cerca separando os bons dos maus.
Assim, se você estiver causando mal a alguém, tente perceber e corrigir a causa. Comece por si mesmo. Busque pelos seus medos, pela sua ignorância e pelo egoísmo escondidos em suas atitudes. Assuma a responsabilidade de curar a si mesmo, só assim poderá deixar de criar um rastro de destruição por onde passa. Então, procure reparar o mal causado. Compreenda que isso só poderá ser feito quando você assumir integralmente a parcela de responsabilidade que lhe cabe. Isso é para poucos. Requer coragem e força de caráter.
Se, por outro lado, alguém estiver causando mal a você, procure perceber a sua participação ao permitir que isso aconteça. Saia do papel de vítima e proteja a si mesmo. Estabeleça limites. Para fazer isso, você não precisa atacar, revidar ou ferir ninguém. Basta que você se coloque em um lugar seguro. Afaste-se do que lhe faz mal.
Quanto à pessoa que está lhe ferindo, compreenda que essa pessoa na verdade é uma prisioneira do medo, da ignorância ou do egoísmo, que provavelmente não está fazendo nada com a intenção específica de ferir você. Seja compassivo.
Expresse sua dor, deixe que a pessoa saiba que está machucando você. Talvez ao perceber isso, a pessoa se liberte, passando da maldade ao amor, reconhecendo e reparando o mal causado. Muitas vezes, no entanto, isso não será possível. Talvez o outro ainda não esteja pronto para enxergar sua própria face escura, para assumir ou reparar o mal causado. Talvez não tenha ainda sentido em si mesmo a dor de ter causado dor a você. Nesse caso cabe a você simplesmente proteger a si mesmo. Você não pode salvar ninguém.
Afaste-se, sem culpa.
Não importa se essa pessoa seja alguém próximo e querido. Uma mãe, um filho, um amigo de anos… Repito, afaste-se, sem culpa. Leve a si mesmo a um lugar seguro.
Liberte-se. Preste mais atenção às atitudes do que às palavras do outro. Não acredite em vazias palavras de amor. Por mais belas que sejam as promessas, entenda que uma pessoa que realmente ame você nunca vai querer lhe causar sofrimento para obter ganhos ou prazer.
Por mais que você ame uma pessoa, saiba que amor algum deve ser uma justificativa para que se permaneça em uma relação que lhe faça mal. Isso não é amor. É subserviência, comodismo, medo e uma triste falta de amor por si mesmo.
Perdoe a si mesmo por ter se deixado ferir e siga em frente.