por Luís César Ebraico
O diálogo que segue foi parte de uma sessão em que eu atendia uma adolescente de 17 anos:
PACIENTE: — Minha mãe mandou dizer para você que EU NÃO QUERO mais fazer terapia.
LC: — Ah, sim? E você, de fato, não quer fazer mais terapia?
PACIENTE: — Não sei…
Essa sessão ocorreu há mais de trinta anos, e só esse fragmento sobrevive em minha memória. Lembro, apenas, que a terapia foi, de fato, interrompida. Talvez, hoje, eu tivesse mais recursos técnicos e, chamando a mãe da paciente para algumas sessões, isso não teria acontecido. De qualquer forma, tal fragmento é bastante para que possamos fazer algumas considerações bastante significativas sobre a relação entre as mães e seus filhos. Millôr Fernandes tem um arguto comentário sobre esse tipo de relação:
“TODA A SUPERMÃE PRODUZ UM INFRAFILHO.”
E, convenhamos, não só as supermães. Superpais também produzem infrafilhos. Crianças, quando descobrem o prazer de andar, costumam inclinar-se para frente e partir, céleres, na direção do infinito. Eu estava em um vasto gramado, com meu filho de dois anos e uma colega psicóloga. Ele – célere, por suposto – partiu, reto, em sua reta para não-se-sabe-onde. Quando em vez, olhava para trás, para ver se eu o estava seguindo. Transcorreu o seguinte diálogo entre mim e minha amiga psicóloga:
COLEGA: — Ué, que estranho! Crianças dessa idade seguem direto, não param para ver se os pais lhe estão seguindo.
EU (brincando com a verdade): — É que ele sabe que um de nós dois tem que ter juízo. Como eu não tenho…
Ocorre que eu nunca me precipitei para segurar corridas de meu filho em direção ao infinito, quando o perigo de sua trajetória era nada mais do que se esborrachar sobre um gramado. Supermães e superpais exercem, por seus filhos, funções que eles estão em perfeitas condições de exercer, atrofiando-as, e, como alerta Millôr, produzem infrafilhos. Aliás, não só pais e mães, sempre que exercemos por alguém – filhos, alunos, pacientes etc. – uma função que eles poderiam, *de per si, exercer, atuamos como vampiros existenciais, que sugam o poder decisório e, consequentemente, a autonomia de seus supostos “protegidos”.
Você imagina um fisioterapeuta fazendo, por seus pacientes, os exercícios que eles, pacientes, deveriam fazer? Ou um médico tomando, ele, por seus pacientes, os medicamentos que a eles cabem tomar? Então por que certos pais, certos sacerdotes, professores e psicoterapeutas se metem a desempenhar a função de pensar por seus filhos, fiéis, alunos e pacientes, hipotrofiando neles, exatamente o que lhes deveria ser outorgado?
A resposta não é exatamente lisonjeira para os que fazem isso e – a parte brindá-los com o epíteto de “vampiros existenciais” – me eximo de aprofundar isso aqui.
* "de per si" = "isoladamente", "autonomamente"