por Danilo Baltieri
"Aqueles que só bebem cerveja podem ser dependentes de álcool?"
Resposta: Os alcoolistas constituem uma população bastante heterogênea. Quando uma determinada “população” se apresenta com características bem heterogêneas, buscam-se formas para reduzir essa heterogeneidade, tentando organizar subgrupos com características mais homogêneas. Isso é conhecido na literatura médica e psicológica como tipologia ou criação de perfis.
Muitas tipologias são baseadas em dados sóciodemográficos, traços de personalidade, respostas a determinados tipos de tratamento médico e psicossocial, idade de início de problemas com o consumo de bebidas, aspectos genéticos, gravidade da dependência, dentre outros.
Uma das formas de se classificar os alcoolistas tem sido o tipo preferencial de bebida consumida. Se os tipos de bebidas de fato afetam a resposta a diferentes propostas de tratamento ou até mesmo a fissura pelo álcool, uma nova forma de classificação ou tipologia pode ser estabelecida.
Na verdade, até o momento, poucos esforços têm sido realizados para investigar o relacionamento entre os diferentes tipos de bebidas alcoólicas consumidas por dependentes de álcool e as variáveis associadas com medidas de resultado, tais como aderência ao tratamento proposto e taxas de abstinência.
Ao contrário, estudos que focam nas diferentes bebidas alcoólicas consumidas têm mais frequentemente avaliado a influência dos tipos de bebidas sobre o desenvolvimento de diferentes problemas físicos advindos do consumo crônico de bebidas, embora ainda poucas conclusões definitivas tenham sido postuladas.
De fato, diferentes variáveis tais como as sóciodemográficas, quantidade de etanol ingerida por dia, tabagismo, estado nutricional dos pacientes interagem no desenvolvimento de diferentes repercussões para a saúde do alcoolista.
Não é totalmente claro se a escolha de diferentes tipos de bebidas, tais como cerveja, destilados ou vinho contribui diferentemente com resultados adversos para a saúde entre dependentes de álcool.
Geralmente, estudos têm apontado que bebedores de vinho tendem a demonstrar um melhor perfil em alguns parâmetros físicos do que os bebedores de cerveja ou destilados. Mas também os bebedores de vinho tendem a possuir melhores níveis sócioeconômicos do que outros bebedores preferenciais. Isso poderia influenciar positivamente alguns indicadores de saúde.
De outra forma, alguns autores têm afirmado que dependentes de álcool que preferem cerveja apresentam menor dano ao hipocampo, em termos de perda de volume, do que os bebedores de destilados ou vinho. Este achado tem sido justificado pelos menores níveis plasmáticos de homocisteína encontrados entre dependentes de cerveja. Algumas vitaminas contidas na cerveja, tais como algumas do complexo B, parecem ser responsáveis por este menor nível plasmático de homocisteína.
Também, outros estudos têm afirmado que bebedores de cerveja demonstrariam mais intensa fissura pela bebida do que os bebedores de destilados e vinho. Isso tem sido associado a alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Entre diferentes sistemas neuroendocrinológicos, alguns peptídeos reguladores do apetite têm sido relacionados ao “craving” (fissura) pelo álcool, tais como a leptina, a grelina e a adiponectina. Algumas pesquisas têm demonstrado que os níveis de leptina estão associados positivamente com a magnitude da fissura pelo álcool e, entre os diferentes tipos de bebedores, aqueles que preferem cerveja demonstram maiores níveis desse peptídeo.
Também o volume da bebida consumida parece influenciar a gravidade da fissura ou “craving”, devido às alterações em peptídeos reguladores de volume, como a vasopressina e o peptídeo natriurético atrial. Em geral, o volume total de cerveja consumida tende a ser maior do que o volume total de destilados. Dessa forma, segundo alguns autores, a fissura pela cerveja seria maior do que aquela por destilados e vinho.
Apesar desses achados, a fissura é também relacionada com a quantidade de etanol utilizada por dia e bebedores de destilados costumam consumir maiores quantidades de etanol por dia do que os bebedores de cerveja.
Em um estudo realizado pelo meu grupo e recentemente publicado no jornal “Alcohol”, os bebedores de destilados demonstraram maior gravidade do alcoolismo, maior magnitude do craving pela bebida e menor aderência ao tratamento médico proposto, em relação aos bebedores de cerveja.
Seguramente, múltiplos fatores culturais e sociais interagem com a preferência da bebida utilizada por dependentes de álcool.
No nosso estudo, em termos de variáveis sóciodemográficas, os bebedores preferenciais de cerveja revelaram melhor renda mensal do que o grupo de bebedores de destilados. Além disso, o grupo de bebedores de destilados tinha mais frequentemente procurado por outros tipos de tratamento antes de chegar ao nosso serviço.
Além disso, é possível aventar que os bebedores de destilados parecem demonstrar uma melhor percepção dos danos causados pelo consumo de álcool do que os bebedores de cerveja.
Abaixo, forneço referência sobre o tema:
Baltieri DA, Daro FR, Ribeiro PL, De Andrade AG. The role of alcoholic beverage preference in the severity of alcohol dependence and adherence to the treatment. Alcohol 2009;43(3):185-95.