por Aurea Afonso Caetano
Castas, casas, grupos e facções: a que grupo pertencemos nós?
Sinal dos tempos? Há uma grande quantidade de livros e filmes sobre distopias; não que esse gênero seja novo, mas chama atenção a sua presença constante nas telas e a quantidade de público que leva às salas de cinema. Muitos desses filmes têm, de forma especial, os adolescentes como público-alvo, mas atraem também muitos adultos para suas exibições.
Mitos são narrativas que contam e tentam explicar a origem do mundo e dos homens. Utilizando símbolos e metáforas, tentavam compreender aquilo que os fascinava e para o qual não tinham explicação. O herói é uma figura sempre fundamental nessas histórias; mitos gregos já nos contam sobre a jornada do herói, o homem ao mesmo tempo humano e divino, que nascido de uma *”hybris” (pecado ou falta) tinha de realizar peripécias de modo a “resolver” um enigma, cumprir determinadas tarefas ou seguir determinado caminho.
Herói é aquele que nasce da união de um deus ou deusa com um mortal, tem portanto dupla e mista ascendência; como tem uma parte divina é imortal, mas ao mesmo tempo sua parte mortal o obriga a seguir determinado caminho e passar por inúmeras provações de forma a mostrar seu real valor. Além disso, ou por isso mesmo, o herói é aquele que segue uma trajetória como a do sol, que nasce no leste e segue para o oeste; tem em sua jornada um caminho a seguir até que possa se purificar.
O herói tem um chamado; nós o encontramos em um primeiro momento em um lugar comum, vivendo sua vida comum, até o momento em que algo da ordem do imponderável acontece e ele é chamado a executar uma tarefa que não quer seguir e da qual não tem o menor conhecimento. Só para falar de alguns herói modernos:
– Harry Potter habitava seu minúsculo quarto embaixo da escada da casa de seus normais tios, criado sem saber de sua ascendência mágica; até o momento em que é convocado para Hogwarts” a escola de Bruxos. Bilbo Bolseiro cuida, com tranquilidade, de sua vida e casa no condado até o momento em que é chamado para trilhar a saga do “Senhor dos Anéis”; Luke Skywalker é também um adolescente criado por tios que dele ocultam sua ascendência real, ele descobre ao longo da saga ser filho de um grande guerreiro Jedi que passou para o lado escuro da força.
Todos esses heróis têm suas vidas anteriores completamente transformadas a partir do reconhecimento de que são portadores de características que os tornam especiais. Em um primeiro momento todos eles rejeitam e recusam o “convite”, mas são impelidos à tarefa, seja por insistência do mensageiro, seja por conta de perceberem que não há outra possibilidade que não seguir o caminho anunciado ou sugerido.
O que veremos, a partir desses primeiros momentos, são variações do mito em histórias variadas nas quais o herói tem sua coragem, força e integridade moral testadas várias vezes, muitas vezes até quase sucumbir. Via de regra, conta com a ajuda de amigos, companheiros de viagem, que ao longo de toda a saga não o deixam esmorecer, fazendo o papel de guias e auxiliares, garantindo sua permanência no caminho correto.
Essas histórias são encantadoras e envolventes porque falam de processos que são ao mesmo tempo coletivos e individuais. Isto é, cada um de nós repete em sua própria vida o mito coletivo do herói que tem de sair de um universo conhecido, enfrentar os perigos do mundo e chegar ao outro lado, tendo crescido e se desenvolvido ao longo do caminho.
Este é um mito de desenvolvimento da consciência humana que para crescer e se expandir, precisa sair do conhecido, encarar os perigos do desconhecido e se tornar único, mas ao mesmo tempo comum, individual e coletivo.
Nossa saga continuará na próxima coluna!
* Hybris é um tipo de pecado ou falta, uma linha limite que foi atravessada; o herói tem de pagar por isso, expiar de alguma forma a culpa.