Por Guilherme T. Ohl de Souza – Psicólogo componente da equipe do NPPI
As turbulências geradas pelas torcidas uniformizadas são fenômenos sociais já bastante conhecidos do público e sua imagem associou-se à violência devido ao seu comportamento agressivo, fato esse que chega a afastar uma boa parcela dos torcedores dos estádios de futebol. Não é raro que ocorram brigas acirradas, e até mesmo assassinatos, quando estes grupos rivais se encontram ao final dos jogos.
Comportamento de torcida no mundo presencial se reproduz no mundo virtual
Desse modo, tais grupos nos passam a imagem de que são compostos por delinqüentes, pessoas excluídas dos vínculos sociais e que, por essa razão, acabam participando do mundo do crime e da marginalidade. No entanto, estudos apontam que a maioria dos integrantes desses grupamentos são pessoas ‘normais’, com algum nível de estrutura social, como família, emprego e estudos. Quando fora destes grupos são, na sua maioria, pessoas que não apresentam aquelas características típicas de uma pessoa violenta, ou com tendências a desrespeitar as leis ou normas sociais de uma forma geral.
O que acontece então com estas pessoas, que ao se agruparem na torcida, acabam por “esquecer” as regras e os padrões civilizados de convívio? A psicologia pode contribuir para a compreensão deste fenômeno através de seus estudos sobre os fenômenos de massa. O indivíduo meramente civilizado e psicologicamente integrado dispõe, em maior ou menor grau, da capacidade de perceber e barrar os impulsos agressivos que o levariam a cometer atos de violência. Esse autocontrole pode ser fruto da real internalização das regras de conduta socialmente aceitas, ou apenas o mero resultado do evitamento das conseqüências negativas que estes atos lhes trariam.
No entanto, quando este mesmo indivíduo se junta ao grupo, esta capacidade de autocontrole parece se diluir no coletivo, a ponto de aflorarem aqueles conteúdos até então reprimidos ou controlados. Unido à sua ‘torcida’, este indivíduo parece se sentir portador de uma potência muito grande, a ponto de chegar a ter a sensação de invencibilidade. Há também o fato de que, nessa condição, esta pessoa pode perceber-se como apenas ‘mais um’, ou seja, um anônimo em meio ao grupo, e nessa condição parece reduzir-se também a noção de responsabilidade pelos seus atos. Uma vez que ele supõe que não será reconhecido, também acredita que não será punido por qualquer atitude recriminável.
Pode ser importante frisar que este processo é, de forma geral inconsciente, ou seja, o indivíduo acaba se deixando contagiar pelos sentimentos e impulsos dominantes no grupo, em detrimento dos valores e princípios que normalmente regem a sua própria conduta. Isto significa, por exemplo, que uma pessoa habitualmente tranqüila pode tornar-se agressiva em meio a uma multidão enfurecida. A sua sugestionabilidade torna-se maior uma vez que seu nível de consciência está rebaixado, e desse modo torna-se mais influenciável pelo clima emocional que vigora ao seu redor.
Uma vez que os outros componentes do grupo estão imersos na mesma atmosfera psíquica (em função das mesmas características acima comentadas), os sentimentos se tornam recíprocos e, conseqüentemente, reforçam-se mutuamente criando uma espécie de “permissão” para que a expressão dos impulsos agressivos se concretizarem em atos.
Mais recentemente, essas torcidas têm se utilizado da internet como ferramenta de expressão de suas idéias, ou mesmo como espaço para o planejamento de suas investidas e ações de violência por meio da participação em comunidades virtuais, várias delas sediadas no Orkut. Neste novo espaço, o anonimato relativo, propiciado pela comunicação virtual, parece criar um novo palco para a expressão daqueles impulsos normalmente reprimidos no inconsciente dos membros dessas comunidades. Agora nessa nova forma, aquele tipo de contágio emocional descrito acima pode se tornar especialmente atuante, pois o risco de punição pode parecer mais distante ainda, para os seus participantes.
No entanto, a própria mídia tem nos informado a respeito das mudanças sobre essa condição reinante no ciberespaço. Pouco a pouco têm sido criados os mecanismos necessários para a identificação dos internautas que burlam a lei ou a ordem social, bem como as formas jurídicas para a aplicação das punições correspondentes.
Porém, além da necessidade e da importância da criação de mecanismos de controle social desse tipo de fenômeno, a nós interessa de modo especial refletir sobre os aspectos psicológicos envolvidos. E por essa razão, desta vez convidamos o leitor a partilhar desta nossa reflexão, agora sobre a expressão virtual da violência das torcidas, na Net. Mais uma vez, parece que o espaço virtual se mostrou aqui como campo propício à expressão das potencialidades do ser humano: lamentavelmente, neste caso, sob um dos seus ângulos menos nobre e construtivo.
*Este assunto continua no próximo artigo