Por Regina Wielenska
O Transtorno Dismórfico Corporal é um quadro psiquiátrico relativamente pouco divulgado. Caracteriza-se como um padrão de comportamento que traz imenso sofrimento a quem apresenta esta condição. O portador sente repulsa e se preocupa intensamente com alguma característica de seu corpo, seja ela imaginária (só a pessoa a enxerga desse jeito) ou real (geralmente são aspectos mínimos, quase imperceptíveis e pouco relevantes).
Célia: cicatriz imperceptível é percebida como gigante
Imaginem o caso de Célia, uma universitária de 22 anos que desde a adolescência nunca mais foi à praia, não usa blusas de mangas curtas, não expõe a parte superior de seu corpo ao namorado durante as relações íntimas. Seu sofrimento teve início após cair da bicicleta aos quinze anos e ser ferida no braço, próximo ao ombro. Levada ao pronto-socorro, recebeu uma sutura, que resultou, tempos depois, numa pequena cicatriz de dois centímetros. Para a moça essa cicatriz parece algo horrendo, motivo de vergonha ou do olhar de comiseração ou nojo de terceiros que vissem a cicatriz. Ela não acredita nas afirmações da família, já tentaram de todas as formas lhe assegurar que a pequena marca de pele não é nada terrível, muitos sequer perceberiam haver uma cicatriz no seu braço.
Célia procurou vários cirurgiões plásticos e dermatologistas, poucos acharam que valeria a pena algum procedimento remediativo. Alguns até recomendaram que buscasse ajuda psicológica, mas ela não os ouviu. Ela se submeteu a todos os procedimentos estéticos oferecidos, gastou boa soma de dinheiro, sofreu decepções e permanece muito insatisfeita com seu corpo. Segundo ela, sente-se uma mulher imperfeita, não vê futuro para si, quer romper com o namorado por causa da cicatriz. Este é um exemplo, entre outros, de uma pessoa com Transtorno Dismórfico. Estudos sinalizam que entre 1,7% e 2,4% da população é constituída por portadores.
Muitos não procuram auxílio psiquiátrico ou psicológico, ainda que pesquisas demonstrem bons resultados destas alternativas de tratamento. Portadores do transtorno buscam disfarces, como maquiagens, e se submetem a tratamentos estéticos propostos por qualquer pessoa, bem ou má intencionada, que lhes sugira alguma possibilidade de melhora daquilo que tanto lhes perturba. O problema é que as tentativas de reparação nunca parecem chegar a bom termo. O desconforto retorna, ainda mais vigoroso.
Nas mais de três décadas de atividade clínica recebi para atendimento apenas quatro pessoas nessa condição, e consegui ajudar apenas três delas, a quarta foi uma moça que preferiu de imediato tentar sua terceira plástica de nariz e deixou a terapia para um futuro remoto. Ela não me procurou depois, não sei como evoluiu sua história.
Estratégia terapêutica
Uma das estratégias terapêuticas importantes é reconhecer que o cliente está em legítimo sofrimento. Discutir se a lesão é pequena ou grande, perceptível ou não pelas pessoas, tudo isso não costuma funcionar.
Ajuda enxergar a existência da pessoa numa perspectiva maior, para entender seu contexto de vida, suas fragilidades e pontos fortes. Vale muito refletir se a vulnerabilidade ao transtorno não estaria ligada a questões do desenvolvimento psicológico que resultaram no sofrimento presente. Os portadores de Transtorno Dismórfico vivem um estreitamento da vida, seus dias ficam limitados a formas de ocultação do problema, extremamente preocupados com o julgamento de terceiros sobre algum atributo físico que lhes pareça repugnante. Gradualmente se deprimem, ficam ansiosos, isolam-se das pessoas. Em casos menos frequentes há o risco de tentarem suicídio.
Educadores, colegas de trabalho, amigos e familiares de portadores do Transtorno Dismórfico estão na delicada, valiosa e nobre posição de ajudar quem tanto sofre com aspectos dos seus corpos, incentivando a procura por um profissional de saúde mental, sem acusações ou confrontos infrutíferos.